Paulo Freire foi um educador brasileiro que até hoje é referência em todo o mundo. Crédito: Instituto Paulo Freire
A IMPORTÂNCIA DE PAULO FREIRE NA EDUCAÇÃO NO MUNDO
O lugar de Paulo Freire
Para o professor titular da
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto
Paulo Freire, Moacir Gadotti, é preciso rigor para falar de Paulo Freire. Ele relembra as incontáveis
publicações e referências ao educador, algumas disponíveis na internet, e
completa: “ele tem um lugar no mundo garantido pelo reconhecimento do seu
trabalho, com contribuições na educação, nas artes, nas ciências e até na
engenharia”.
Por isso, avaliá-lo somente como
educador não basta, opina o professor emérito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), Miguel Arroyo. “A radicalidade dele tem que
ser entendida dentro de nossa história”, garante. Daí a necessidade
de se reivindicar o lugar de Paulo Freire. “Sobretudo por parte dos educadores
populares que assumem, para além de suas ideias, as concepções de mundo que
estão por trás delas”, reflete Gadotti.
Uma pedagogia concreta
O rechaço a Paulo Freire não é
novidade e tampouco recente. Tem início já nos fins dos anos 50 e começo da
década de 60, momento em que o educador idealiza a educação popular e realiza as primeiras
iniciativas de conscientização política do povo, em nome da emancipação social,
cultural e política das classes sociais excluídas e oprimidas.
Sua metodologia dialógica foi
considerada perigosamente subversiva pelo regime militar, o que rendeu a Freire
o exílio. O educador, entretanto, não deixou de produzir e nesse período
escreveu algumas de suas principais obras, dentre elas, a Pedagogia do Oprimido.
Se nada ficar destas páginas, algo, pelo menos,
esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na
criação de um mundo em que seja menos difícil amar. (Trecho de “Pedagogia do
Oprimido”, Paulo Freire)
Arroyo entende que as
manifestações atuais contra o educador só mostram que os setores conservadores continuam tão reacionários quanto
na época da ditadura.
“E isso surge em um momento em
que o partido político que está no poder foi eleito, majoritariamente, pelo
cidadão pobre, negro, nordestino. A rejeição a Freire, a meu ver, revela uma
questão premente de nossa história de reconhecer ou não o povo como sujeito de
direitos”, garante, ponto sobre o qual o educador se apoia para chamar a
pedagogia freiriana de “pedagogia dos oprimidos concretos”.
“O que caracteriza a nossa
história é não reconhecer os indígenas, os negros, os pobres, os camponeses, os quilombolas, os ribeirinhos e os favelados
como sujeitos humanos”, condena o educador. Em sua
análise, essa crença serviu, ao longo da história, como justificativa
ideológica para que as classes dominantes escravizassem e espoliassem
esses setores sociais.
“Tudo
isso a partir de uma visão de que somos o símbolo da cultura, civilidade e
os outros a expressão da sub-humanidade, subcultura, imoralidade. É isso que
nos acompanha ao longo da vida e Paulo Freire se contrapôs a isso, inverteu
esse olhar”, analisa Arroyo.
O que ele considera “como um dos
pontos mais radicais e politicamente avançados de Freire” foi a valorização da cultura, das memórias, dos
valores, saberes, racionalidade e matrizes culturais e intelectuais do povo,
contrapondo-se à lógica de que era necessária a inferiorização de uns para
garantir a dominação de outros. Na educação, sobretudo, essa radicalidade
implica em enfrentamentos.
“Existe a ideia de que nós,
cultos, racionais, conscientes, vamos fazer o favor de, através da educação,
conscientizar o povo; para Freire não se tratava de conscientizá-los,
moralizá-los, mas de reconhecê-los como sujeitos de uma outra pedagogia, capaz
de dialogar com essas culturas, identidades e histórias”, esclarece Arroyo.
Paulo Freire em outros contextos
Essa centralidade nos sujeitos,
própria da concepção freiriana, também apoiou a organização de trabalhadores.
Na cidade de São Paulo, quando à frente da Secretaria Municipal de Educação, na
gestão de Luiza Erundina, Paulo Freire aprovou o Estatuto do Magistério importante não só
aos docentes como a todos os profissionais da educação, como avalia a atual
chefe de gabinete da deputada estadual Luiza Erundina, Muna Zeyn, que trabalhou
com o educador na gestão paulistana. “Para ele, todos estavam em processo de
educação, do bedel à faxineira, passando pelo professor”.Influência também na
construção de organizações e movimentos de massa, caso do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para a militante do setor
de Educação do Movimento Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de
Pernambuco, Rubneuza Leandro de Souza, a combinação entre necessidade e
conscientização foi vital para a organização do movimento.
“Sobretudo em relação à
educação. Começamos a nos perguntar qual educação queríamos. Sabíamos que não
era aquela que desconhecia o contexto das crianças e as estigmatizava como
filhas de ladrões, criminalizando a nossa luta”, critica.
Nas escolas do MST, há uma
necessidade de que o conhecimento escolar se articule com a realidade e que a
educação se estabeleça como elemento de transformação, “libertadora,
contra hegemônica e emancipadora”. Rubneuza explica que, nos acampamentos, onde
muitas vezes não há escolas próximas, o movimento busca auto organizá-las e
que, quando o assentamento é conquistado, há um processo de formalização da
instituição. “Isso porque a educação formal entra em contradição com nosso
processo de luta, quase sempre porque a escola não entende a realidade que a
criança vive”.
Pela integralidade dos indivíduos
Há quem ataque a pedagogia
freiriana, tratando-a como doutrinária. Gadotti explica que a grande questão é
entender que Freire reconhecia a educação como ato político, de cultura. “A
primeira aula de alfabetização em Angicos (Rio Grande do Norte) foi sobre
cultura”, relembra o educador. A educação, a formação e até a alfabetização
inicial precisa passar pela cultura,
pelo reconhecimento do sujeito que conhece, que faz sua leitura do mundo. E é
por ser cultural que a educação é política, não no sentido partidário, mas de
decidir a vida na pólis (cidade), discutir a vida, o mundo que
queremos”.
Ainda de acordo com Gadotti, a
educação deve ser vista como um dos elementos de uma cidade educadora , que prevê a educação integral,
e não deve se referir só ao conhecimento e ao saber simbólico, mas também ao
sensível, ao técnico. “A integralidade do saber é o tecido técnico, simbólico,
político, cultural e implica também a politicidade do ato educativo. Ninguém
nega que a educação supõe valores, princípios, ética. É isso que falta
discutirmos na educação brasileira hoje”, constata
Gadotti.
Por mais Paulo Freire
Em sua análise, a perseguição a Paulo Freire na época da ditadura não
apenas o expulsou do Brasil, mas também do sistema de ensino do país, impondo
um autoritarismo e associando a educação ao chamado tecnicismo pedagógico, que a afasta de
qualquer caráter social. “Não conseguimos sequer agregar qualidade a esse
tecnicismo, mas o fato é que ele é uma herança da ditadura e continua forte”,
evidencia.
Para Gadotti, o ethos freiriano não está
presente nas escolas hoje. “Estaria se tivéssemos uma educação participativa, democrática, em que a escola formasse para a
cidadania, como está na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Não é só formar para o trabalho, mas para a cidadania, para que o povo
participe da construção de uma nação. Ao invés de ‘basta de Paulo Freire’,
precisamos de mais Paulo Freire para um país mais decente”, reforça.
Arroyo também compartilha da
opinião e demonstra preocupação, sobretudo com a proposta de educação integral.
“Não podemos entendê-la como mais tempo de escola, nesse mesmo contexto que
estamos inseridos. Seria um desrespeito para o povo e iria contra tudo o que
Paulo Freire defendia”, alerta.
É fundamental, em sua opinião,
que as propostas pedagógicas incorporem os indivíduos em suas totalidades.
“Precisamos entender as crianças que chegam às escolas em diversos contextos, o
da família negra, o da favela, como filhos de mulheres trabalhadoras. Que
saberes e lutas eles trazem consigo para a educação?”, indaga.
“Essas são experiências reais,
totais, que exigem uma proposta plural, integrada”, problematiza. Para ele, é
urgente pensar que a educação, o currículo
diversificado e os saberes prévios podem dar conta de devolver
a humanidade roubada das crianças e adolescentes oprimidos. “A função da escola
só é integral se ela passa a ser um espaço digno, justo, capaz de recuperar o
que lhes roubam”, conclui.
8 materiais para entender Paulo Freire
POR DAFNE MELO
Dia 19 de setembro de 1921, nascia em Recife (PE) Paulo Freire, patrono da educação brasileira e um dos pedagogos mais prestigiados do mundo.
Apesar do reconhecimento, a vasta obra de Freire ainda é pouco estudada no Brasil. Na data de seu aniversário, o Instituto Paulo Freire – a pedido do Centro de Referências em Educação Integral – selecionou, a partir de seu Acervo, alguns materiais que permitem entrar em contato com a obra do educador. Confira abaixo a seleção de materiais, todos disponíveis online.
1. “Paulo Freire e todos nós: algumas lembranças sobre sua vida e seu pensamento”, Carlos Rodrigues Brandão.
Nesse artigo, que leva o subtítulo “Lembranças sobre sua vida e seu pensamento”, o professor da Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos Rodrigues Brandão, faz um relato pessoal e afetivo do educador, traçando um perfil de sua personalidade e abordando aspectos importantes de sua obra, como a ideia da consciência humana como uma construção e a centralidade do diálogo em seu método pedagógico.
2. “Freire: tudo sobre o homem e o educador“, Maria José Ferreira.
Nesse pequeno texto, Maria José faz uma breve resenha do livro Convite à leitura de Paulo Freire, de Moacir Gadotti, um dos grandes parceiros de Freire durante a vida. “Pelos 15 anos de convivência, e possivelmente pela amizade pessoal que os une, temos no livro acima um dos mais completos sobre Paulo Freire”, escreve.
3. O Método Paulo Freire e as contribuições político-pedagógicas para a educação brasileira, Margareth Neves Desmarias.
A monografia se dedica a analisar as contribuições político-pedagógicas do pernambucano para a educação brasileira, destacando o Método Paulo Freire. O texto descreve suas propostas, traçando as bases nas quais se assentam. A autora também salienta o aspecto revolucionário da concepção metodológica proposta por ele, posto que institui uma nova relação entre educador e educando.
4. Educação e conscientização, Paulo Freire.
Trata-se do capítulo IV da obra Educação como prática da liberdade, de 1967. Nele, o autor fundamenta historicamente sua concepção de educação, vista sempre em uma relação indissociável da conscientização política. Dessa forma, o processo de ensino-aprendizagem envolve a transformação de homens e mulheres em sujeitos de transformação social. As pessoas devem saber ler não apenas letras, mas ler o mundo, a partir de uma perspectiva crítica e autônoma.
5. Paulo Freire: uma biobibliografia, Moacir Gadotti (organização).
Essa obra reúne diversos estudiosos da obra do educador, bem como dezenas de pessoas que conviveram com ele. A característica do livro é buscar relacionar sua biografia com sua bibliografia, ou seja, descrever as imbricações entre o que Freire escrevia e o que fazia: entre teoria e práxis. Extratos da obra também estão disponíveis em formato audiolivro.
6. Pedagogia do Oprimido (audiolivro), Paulo Freire.
Uma das obras mais famosas e traduzidas do educador está disponível no Acervo em formato de audiolivro, lido pelo seu filho, Lutgardes Costa Freire. O livro foi escrito no Chile, em 1968, quando Freire estava no exílio, durante a Ditadura Militar brasileira. No Brasil, foi lançado apenas 6 anos depois. O trabalho é fruto das reflexões e da prática de Freire, a partir de sua experiência com a alfabetização de adultos. O educador escreve sobre a concepção “bancária” da educação como um instrumento da opressão e propõe uma ruptura a partir de um novo modelo, pautado por uma educação conscientizadora e libertadora. Os áudios podem ser baixados separadamente e o livro, inteiro, em formato mp3, aqui.
7. Paulo Freire Contemporâneo, Toni Venturi.
O documentário, feito para a TV Escola, é assinado pelo cineasta Toni Ventura, que dirigiu filmes como Cabra Cega, Dia de Festa e Latitude Zero. Em 50 minutos, somos apresentados às ideias, vida e obra do educador pernambucano, por meio de depoimentos de seus familiares, amigos e estudiosos. O filme aborda a perseguição a Freire e ao seu método, no período da ditadura militar, e também resgata experiências contemporâneas herdeiras do pedagogo.
8. Educar para Transformar, Tânia Quaresma.
O vídeo-documentário percorre os cenários urbano e rural, mediante várias linguagens, trazendo a vida e a obrado pedagogo. Usando linguagens como o rap, hip-hop, grafite e cordel, o vídeo reúne ainda depoimentos de familiares, amigos e estudiosos, que ajudam a construir um panorama sobre a história de Paulo Freire, registrando e divulgando um legado expressivo de nossa cultura. O vídeo faz parte de um conjunto de ações do Projeto Memória 2005.
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