O MONGE E O FILÓSOFO: MATTTHIEU RICARD X JEAN FRANÇOIS REVEL - TRECHOS DO LIVRO

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O MONGE E O FILÓSOFO: MATTTHIEU RICARD X JEAN FRANÇOIS REVEL - TRECHOS DO LIVRO


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Matthieu Ricard – Uma das características do Budismo como uma “ciência de mente” é a de que não é suficiente apenas reconhecer e identificar de forma consciente uma emoção ou uma tendência latente e trazê-la de volta à superfície. Precisamos  aprender a libertarmo-nos de tais pensamentos e emoções, impedindo-os de deixar qualquer rasto na nossa mente. Caso contrário, muito facilmente eles dão lugar a uma reação em cadeia. Um pensamento de desconforto, por exemplo, rapidamente se pode transformar em animosidade e depois em ódio, até que rapidamente toma completamente o controlo da nossa mente, fazendo com que expressemos tais pensamentos em palavras ou ações. Quando fazemos algo de negativo a alguém, a nossa paz interior também é destruída. O mesmo é válido para o desejo, a arrogância, a inveja, o medo e tantas outras emoções negativas. Podemos permitir que os nossos impulsos nos façam destruir, possuir ou dominar algo, mas qualquer satisfação que daí advenha será sempre efémera. Nunca nos trará o tipo de alegria que é profunda, estável e duradoura.

Jean-François Revel – Mas certamente nem todo o sofrimento moral é causado pelo ódio ou pelo desejo?

Matthieu Ricard – Não, o sofrimento pode vir de um conjunto vasto de emoções negativas. A chave para trabalharmos a nossa mente de forma eficaz consiste em não apenas identificar os nossos pensamentos e emoções mas também em dissolvê-los, deixá-los desaparecer no vasto espaço da nossa mente. Existem um número de técnicas que podem ser aplicadas com este fim.

A mais importante consiste em não nos concentrarmos no conteúdo das emoções ou nas causas e circunstâncias que as despoletam, mas sim em identificar a sua verdadeira origem. Existem duas formas de meditarmos, como um cão ou como um leão. Podemos tentar lidar com os nossos pensamentos da mesma forma que um cão corre atrás de cada pedra que lhe é atirada, uma após a outra. Isso é na realidade, aquilo que todos nós fazemos a maior parte das vezes.

Quando um pensamento surge, deixamo-nos levar por ele. Esse primeiro pensamento dá depois lugar a um segundo pensamento, depois a um terceiro e finalmente a uma cadeia de pensamentos infindáveis que apenas sustém a nossa confusão mental.

Mas a outra forma de reagir, é semelhante à de um leão. Apenas se pode atirar uma pedra a um leão, porque ele se dirige imediatamente a quem lhe atirou a pedra e lhe salta para cima. Esta segunda analogia descreve o tipo de meditação em que nos viramos para a própria origem dos pensamentos e examinamos o mecanismo primário através do qual eles surgem na nossa mente.

O monge e o filósofo



O pai, Jean-François Revel, um dos principais pensadores franceses da filosofia contemporânea. O filho, Matthieu Ricard, um doutor em biologia molecular e pesquisador do Instituto Pasteur que abandonou tudo para se tornar monge budista. Apesar do título, que pode sugerir um daqueles livros de autoajuda oportunistas, O Monge e o Filósofo apresenta um rico debate entre a tradição espiritual do oriente e a tradição filosófica do ocidente. Metafísica budista, busca espiritual, o sentido da vida, a ação no mundo, são alguns dos questionamentos presentes no diálogo, em que budismo e filosofia são contemplados e confrontados a partir dos princípios que guiaram as escolhas de vida do monge e do filósofo. A seguir, um exemplo do embate de ideias:

M - (...) Nada existe em si, independentemente de outros fenômenos. Cada um dos elementos da cadeia de causa e efeito é, por sua vez, um composto de elementos fugidios em perpétua mudança. Este é um argumento que põe em evidência a não realidade dos fenômenos autônomos e permanentes, seja se trate de um Deus criador ou de um átomo que exista por si mesmo, sem causas nem condições, com independência dos outros fenômenos.
J.F. - Esta também é uma problemática que reaparece ao largo de toda a filosofia ocidental. Às vezes, os fenômenos existem e são a realidade, e é o que se chama escola empirista ou realista. Às vezes, os fenômenos são uma ilusão total, e é o que se chama o idealismo absoluto, a filosofia de Berkeley, por exemplo, no século XVIII. Outras vezes, os fenômenos são um caos de coisas que se sucedem, mas nas quais a relação causa e efeito é completamente ilusória: é a filosofia de Hume. E às vezes, o fenômeno não é a realidade em si, mas uma espécie de síntese, um encontro entre a realidade em si que não conhecemos, que está atrás dos fenômenos, e a atividade construtora da mente humana; uma espécie de resultado intermediário entre a matéria-prima oferecida pela realidade em si e a capacidade de elaboração da mente humana. Dito de outro modo, é ao mesmo tempo real, oferecido metade pelo mundo exterior, e metade construído pelo espírito humano. Tal é, resumida grosseiramente, a teoria de Kant em Crítica da razão pura. Todos os casos foram tratados, portanto, na filosofia ocidental. Na minha opinião, não creio que isto seja um verdadeiro problema. Se os fenômenos não existem no budismo, o que é que existe?
M - O budismo adota uma via intermediária. Não nega a realidade dos fenômenos no mundo relativo das percepções, mas o fato de que existam entidades permanentes por trás dos fenômenos. Por isso se fala de um "caminho do meio", que não cai nem no niilismo, para o qual nada existe fora das nossas percepções - tudo é nada -, nem no "eternalismo", sem dúvida o realismo ao qual você se refere, para o qual existe uma realidade única e independente de qualquer percepção, que estaria composta por entidades existentes em si. O tipo de entidades sólidas que o budismo rejeita são, por exemplo, as partículas indivisíveis da matéria e os instantes indivisíveis da consciência. Coincidimos assim com a formulação dos físicos modernos, que abandonaram a ideia de partículas comparáveis a pequenas balas de canhão ou a massas infinitamente pequenas. O que se chama massa ou matéria é antes uma espécie de condensação da energia.
(...) Quando o budismo fala da "vacuidade" dos fenômenos, diz que os fenômenos "aparecem", mas que em nenhum caso refletem a existência de entidades fixas. (...) Segundo o budismo, os átomos não podem ser considerados entidades fixas, que existem de uma maneira única e determinada; portanto, como poderia ter realidade fixa o mundo da manifestação bruta, supostamente integrado por estas partículas? Tudo isto contribui para destruir a ideia sobre a solidez das aparências. E, neste sentido, o budismo afirma que a natureza última dos fenômenos é vacuidade, e que esta vacuidade leva em si um potencial infinito de manifestações.
(...) ao demonstrar que não podem existir partículas indivisíveis, o budismo não pretende explicar fenômenos físicos no sentido em que a ciência entende atualmente: tenta antes romper o conceitointelectual da solidez do mundo fenomênico. Pois este conceito é o que faz com que nos aferremos ao "eu" e aos fenômenos e é, portanto, a causa da dualidade entre si mesmo e os demais, entre a existência e a não existência, entre o apego e a repulsão etc., e também a causa de todos os nossos sofrimentos. Em qualquer caso, o budismo entronca aqui, de uma perspectiva intelectual, com algumas teses da física contemporânea, e sua contribuição deveria ser incluída na história das ideias. Gostaria de citar, por exemplo, um dos grandes físicos de nossa época, Henri Margenau, professor da Universidade de Yale, que escreveu: "Ao final do século XIX, se afirmava que todas as interações implicavam objetos materiais. Na atualidade, isso já não costuma ser considerado uma verdade. Antes se pensa que se trata da interação de campos de energia ou de outras forças que são, em linhas gerais, não materiais". E Heisenberg dizia: "Os átomos não são coisas". Para Bertrand Russel: "A ideia de que há por aí uma bolinha, uma pequena massa sólida que seria o elétron, é uma intrusão ilegítima do senso comum, derivada da noção de tocar"; e logo acrescenta: "A matéria é uma fórmula cômoda para descrever o que ocorre ali onde, de fato, a matéria não existe, onde não há, portanto, nada". Por outro lado, sir James Jeans chegou a dizer em suas Rede's Lectures que "o universo começa a parecer-se mais com um grande pensamento que a uma grande máquina".

 Fonte:http://cadernocriativo.blogspot.com.br/2012/03/o-monge-e-o-filosofo.html

O Monge e o Filósofo – Uma ciência da mente (2/2)



Jean-François Revel – Indo um pouco além das metáforas, que mecanismo é esse exactamente?
Matthieu Ricard – Para o podermos começar a ver em acção, primeiro precisamos de tentar parar o fluxo de pensamentos que nos inunda, ainda que apenas por um instante. Sem prolongarmos pensamentos passados e sem convidarmos pensamentos futuros, simplesmente permanecemos, ainda mesmo que fugazmente, atentos ao momento presente, livres de quaisquer pensamentos discursivos. 
Pouco a pouco, conseguimos tornarmo-nos melhores a ficarmos um pouco mais naquele estado de atenção. Enquanto existirem ondas num lago, as suas águas não serão nítidas. Mas se as ondas pararem, a lama desce para o fundo do lago e a nitidez cristalina da água regressa. Da mesma forma, quando os pensamentos discursivos acalmam, a mente torna-se mais clara e é mais fácil descobrirmos a sua verdadeira natureza.
Depois torna-se necessário examinarmos a natureza destes pensamentos discursivos. Para o fazer, podemos até deliberadamente fazer despertar algumas emoções fortes em nós, talvez pensando em alguém que nos magoou, ou ao contrário, em alguém que desperta o nosso desejo. Deixamos essa emoção aparecer no campo da nossa consciência, e depois “tratamo-la” com a nossa percepção interna, alternando entre uma investigação analítica e uma contemplação pura. No início, essa emoção domina-nos e faz-nos obcecar nela. Regressa constantemente. Mas continuemos a examiná-la cuidadosamente. De onde é que ela obtém a sua aparente força? Ela não tem qualquer capacidade intrínseca para magoar, como algumas criaturas de carne e osso. Onde é que ela estava antes de ter aparecido? Quando ela aparece na nossa mente, tem alguma característica – uma localização, uma forma, uma côr? E quando ela deixa o espaço da nossa consciência, vai para algum sítio? Quanto mais a investigamos, mais aquele pensamento que nos parecia tão forte nos escapa; é impossível apanhá-lo ou identificá-lo.
Atingimos um estado de “não encontrado”, em que nos detemos nalguns instantes de contemplação. Isto é o que é normalmente é chamado de: “reconhecer o vazio dos pensamentos”. É um estado de simplicidade interior, de atenção nítida, despida de quaisquer conceitos. Quando entendemos que os pensamentos são apenas uma manifestação desse estado de consciência ou simplicidade interior, eles perdem a sua aparente solidez. Eventualmente, depois de um período extenso de prática persistente, o processo de libertação torna-se natural e assim que novos pensamentos surgem eles dissolvem-se a si mesmos, não mais perturbando ou dominando a nossa mente. Eles passam a demorar tanto tempo a aparecer como a desaparecer, como desenhos feitos na superfície da água com um dedo da nossa mão…
Jean-François Revel – O que me surpreende em toda essa forma de pensar é que tudo é descrito como se a realidade do mundo exterior, as coisas que nós fazemos, os outros seres humanos e o peso da circunstâncias não existissem de todo. Certamente existem momentos em que perigos reais genuinamente nos ameaçam. Ter medo dessas ameaças, ou querer livrarmo-nos delas e portanto ter uma atitude activamente hostil contra a nossa ameaça, quando a nossa vida está em perigo por exemplo, não é algo com que se possa lidar simplesmente gerindo os nossos pensamentos! A resposta correcta é tomar um qualquer tipo de acção exterior.
Matthieu Ricard – Numa dada situação, podemos reagir de várias formas, de acordo com o nosso estado interior. As acções nascem dos nossos pensamentos. Portanto precisamos de aprender a nos libertarmos das nossas emoções…
Jean-François Reve– Sim, mas esses são casos muito marginais…
Matthieu Ricard – … para depois podermos usar essa mestria da mente no calor do momento. Normalmente usamos a expressão “alguém se controlou a si próprio” ou “perdeu completamente o controlo de si próprio”. Neste caso, o que estamos a discutir é sobre como tornar esse controlo mais total, mais estável, com a ajuda do conhecimento da natureza da nossa mente. Não significa de forma alguma agir de uma maneira apática ou indiferente, enquanto um assassino mata uma família à frente dos nossos olhos. Significa apenas fazer o mínimo necessária para neutralizar o adversário sem nos deixarmos invadir pelo ódio, ou matando o agressor possuídos por um estado de mente dominado por um sentimento de vingança. 
A mestria da mente é por isso fundamental.
http://umcaminhoparaatransformacaodamente.wordpress.com/2010/12/15

 O Monge e o Filósofo. O Budismo Hoje - Jean-François Revel e Matthieu Ricard

Um livro com este título tem tudo para ser um autoajuda brabo, daqueles bem oportunistas que pegam carona com outros do mesmo naipe (tipo, "O Monge e o Executivo"). Foi justamente isso que pensei quando me foi recomendada sua leitura por um amigo, mas na verdade não tem nada a ver, e depois de um esclarecimento sobre o tema de "O Monge e o Filósofo - O Budismo Hoje", peguei emprestado e li.

"O Monge e o Filósofo" é a transcrição de conversas entre o filósofo francês Jean-François Revel e o monge budista Matthieu Ricard, sobre vários aspectos do budismo, e os contrapontos com a ciência e a filosofia ocidental. Só com esta chamada já se trataria de um livro bem interessante sobre o contato e as contradições entre Oriente e Ocidente, mas há algo mais que torna a experiência única: os autores são pai e filho. Revel, que faleceu em 2006, era um ilustre membro da Academia francesa e sempre foi ateu, criando seu filho sem nenhum tipo de educação religiosa. Matthieu seguiu a tradição familiar até certo ponto de sua vida. Chegou ao doutorado de Estado (título acadêmico mais alto na França) em biologia molecular, mas em 1972 largou tudo para viver como monge na Ásia.

Em 1996, em ocasião da visita de Dalai-Lama à França (que teve Matthieu como seu guia), a mídia noticiou a singular situação com alarde, já que pai e filho supostamente não se viam desde a mudança de Matthieu. Tudo não passava de especulação ou sensacionalismo, pois o próprio Revel afirmou que houve diversos encontros entre eles durante as duas décadas da vida monástica do filho, tanto na Ásia como na França, ocorrendo muitas conversas a respeito da nova vida de Matthieu nestas oportunidades. Daí a ideia de colocar no papel todas essas informações sobre o budismo, que na década de 1990 conhecia uma expressiva escalada no Ocidente, vindas de alguém de origem ocidental - portanto, consciente de como funciona nossa mentalidade.

O primeiro tema abordado não poderia deixar de ser o mais intrigante: os motivos da conversão de um cientista bem encaminhado na carreira para uma vida de meditação e contemplação. Seguem-se então vários capítulos com questionamentos do filósofo a respeito de diversos temas, como a questão sobre o budismo ser ou não uma religião, sua relação com o Ocidente, sua atuação no mundo, o domínio chinês no Tibete, sua história, etc. O maior destaque nisso tudo é a atuação de Revel, contrapondo as informações cedidas por Matthieu, diferenciando "O Monge e o Filósofo" de um simples livro sobre o budismo entre tantos no mercado. Em muitos momentos, Revel, filósofo experiente em discussões intelectuais, coloca em xeque várias inconsistências e contradições do discurso de Matthieu, o que é muito interessante. Ao final, Matthieu tenta dar o troco no capítulo "O monge interroga o filósofo", quando o mesmo tipo de questões feitas durante todo o livro por Revel são então feitas por Matthieu - algo do tipo "qual é o sentido da vida" para um ocidental.

Para quem procura entender algo sobre o budismo além de karma, samsara e nirvana, e ao mesmo tempo ter uma aula de filosofia, "O monge e o Filósofo" é uma bela leitura. Este livro está esgotado, e não consegui encontrá-lo nem na Estante Virtual, mas uma pesquisa rápida na internet me fez descobrir que Jean-François Revel tem livros com títulos bastante interessantes, como "Nem Marx, nem Jesus" e "A Tentação Totalitária", a conferir seus conteúdos no futuro. Matthieu Ricard também já publicou outros livros sobre o budismo, mas certamente de opiniões apaixonadas e sem a graça deste.

Editora: Mandarim
Páginas: 288
Avaliação: * * * *
Fonte:http://redelivro.blogspot.com.br/2010/04/o-monge-e-o-filosofo-o-budismo-hoje.html

O Monge e o Filósofo - J.-F. Revel & M. Ricard


Por que o budismo faz hoje tantos adeptos e suscita tanta curiosidade no Ocidente? Isso revelaria uma lacuna, uma necessidade insatisfeita, na civilização ocidental, científica e técnica?
Para tratar essa questão reuniram-se Matthieu Ricard, intelectual ocidental e monge budista, e seu pai, Jean-François Revel, grande filósofo agnóstico, para confrontar suas interrogações e curiosidades recíprocas. As considerações de Jean-François Revel, embora comportem sérias reservas ou objeções, contêm a parte do budismo que ele considera aceitável e universal: a sabedoria na condução da vida. Elas trazem à luz os fracassos do pensamento ocidental – especificamente a falência dos grandes sistemas filosóficos e das grandes utopias políticas – que podem explicar a presente atração dos ocidentais por uma forma de sabedoria muito antiga e ao mesmo tempo muito nova.

Jean-François Revel & Matthieu Ricard



Jean-François Revel, nascido em 1924, é um filósofo que considera vã toda metafísica. Expôs seu agnosticismo em várias obras. A recente difusão do budismo no Ocidente, porém, fez com que pai e filho expusessem suas idéias em diálogos ao mesmo tempo espontâneos e estruturados.


Matthieu Ricard, nasceu em 1946 e depois de seguir estudos científicos de biologia molecular que o levaram até o doutorado adere ao budismo e, em 1972, instala-se definitivamente na Ásia, para acompanhar os ensinamentos de seus mestres tibetanos.
Esse encontro entre pai e filho, realizado em maio de 1996, em Hatiban, no Nepal, no isolamento de um sítio no alto da montanha que domina Kathmandu, revelou o pensamento de duas pessoas particularmente importantes com entendimentos bastante diferentes sobre assuntos sérios e atuais e conseguiu mostrar ao leitor como pode ser fantástico o intercâmbio entre um monge e um filósofo.

Pai e filho. Um nasceu em 1924, o outro em 1946; um é filósofo, ensaísta, professor e ex-director do L’Express, o outro é cientista, especialista em Biologia Molecular e ex-investigador no Instituto Pasteur de Paris.

O pai, Jean-François Revel, pertence à Academia Francesa e foi premiado pelo conjunto da sua obra literária; o filho, Mathieu Ricard, abandonou uma carreira brilhante para se converter ao budismo, fez-se monge, tornou-se um dos maiores especialistas mundiais em matéria de espiritualidade tibetana e é há muitos anos o tradutor e acompanhante do Nobel da Paz.
Mathieu Ricard pertence ao círculo íntimo do Dalai Lama, fez incontáveis traduções de escritos tibetanos antigos e é autor de alguns livros de referência sobre o budismo.
Há cerca de dez anos pai e filho decidiram sentar-se juntos em Hatiban, no Nepal, no isolamento de um lugar único erguido no cimo da montanha que domina Katmandu, para uma longa conversa que haveria de ser gravada e depois editada em forma de livro.
Le moine et le philosophe não é um livro recente, portanto. Mas continua actual. Dolorosamente actual, para ser mais exacta. Os factos relativos às perseguições, extermínios e domínios permanecem na ordem do dia e revelam a atitude de impiedosa repressão exercida e mantida pelo governo chinês sobre o povo tibetano.
Ao longo do livro que agora leio com um olhar mais atento por ter acompanhado de perto os ensinamentos do Dalai Lama quando esteve em Lisboa no Verão passado, mas também por ter no meu círculo de amigos alguns budistas, esta realidade do genocídio e de todas as formas de opressão está muito presente e obriga a pensar.
Mas há uma outra realidade, infinitamente mais luminosa e inspiradora, que faz parar aqui e ali, sublinhar o que está escrito e até pousar o livro por breves momentos para conferir mentalmente teorias e práticas.
Não sou budista nem nunca serei mas esta certeza íntima não atrapalha em nada o meu fascínio pela espiritualidade tibetana e muito menos impede a minha adesão incondicional à personalidade e mensagem do Dalai Lama.
Mais, aproveito o facto de ter amigos budistas para perceber alguns mistérios existenciais e aceder a algumas práticas de meditação que, devo dizer, ajudam incrivelmente a calibrar as emoções e a aliviar o peso dos dias. Mesmo não sendo dada à meditação budista no sentido mais profundo e radical desta prática oriental, vou tentando perceber uma ou outra coisa que encaixo e adapto ao meu espírito de cristã que recorrentemente precisa de silêncio, contemplação e oração.
O livro foi-me oferecido pelo Pedro, o meu amigo budista que sabe e percebe que há mais coincidências do que divergências entre quem reza e quem medita. O gesto de me oferecer este e outros livros revela uma delicadeza enorme e uma amizade atenta ao essencial, aliás. Não se trata de uma tentativa de conversão mas antes de uma possibilidade de comunhão em questões fundamentais.
Vasco Pinto Magalhães, o padre jesuíta com quem faço muitos dos meus retiros de silêncio de uma semana, usa as técnicas de respiração e meditação dos budistas para nos ajudar a centrar no essencial. Não sei se os budistas usam ensinamentos cristãos para apurar a sua consciência universal e elevarem o seu patamar espiritual nem isso verdadeiramente me importa.
O encontro de religiões, o ecumenismo dos homens e a atitude de abertura espiritual é que fazem a diferença no mundo. Hans Kung, filósofo alemão contemporâneo de Jean-François Revel, diz que é pela ética que vamos e eu acredito que sim, que a ética é um grande caminho para a humanidade.
Acima deste caminho há um outro que nos pode juntar e aperfeiçoar, que é o do encontro de religiões. Acredito que o altruísmo, a bondade e a sinceridade são as rectas dessa longa e sinuosa estrada e sei que não são exclusivos de nenhuma fé, culto religioso ou prática espiritual. Melhor assim.
Fonte:http://laurindaalves.blogs.sapo.pt/125308.html

O Monge e o Filósofo – Jean François Revel e Matthieu Ricard

"Com muita frequência, a fascinação pelo “novo”, pelo “diferente”, reflete uma pobreza interior. Incapazes de encontrar a felicidade em nós mesmos, nós a procuramos desesperadamente do lado de fora, em objetos, experiências, maneiras de pensar ou de se comportar cada vez mais estrenhas. Em suma, afastamo-nos da felididade procurando-a onde ela não está.”
“Em vez de aprender a não ter necessidades, nós as multiplicamos.”
” O sofrimento resulta da ignorância. Portanto é a ignorância que preciso dissipar. E a ignorância, em essência, é o apego ao “eu” e à solidez dos fenômenos. Aliviar os sofrimentos imediatos de outrem é um dever, mas não basta: é preciso remediar as causas do próprio sofrimento.”
“Pode-se deter um conflito, uma guerra, mas outros sobreviverão, a menos que o espírito das pessoas se modifique.”
“O Poder, as posses, os prazeres dos sentidos, a fama – podem proporcionar satisfações momentâneas, mas nunca são fontes de satisfação permanente e, cedo ou tarde, se transformam em descontentamento.
” Em uma primeira análise, o budismo conclui que o sofrimento nasce do desejo, do apego, do ódio, do orgulho, da inveja, da falta de discernimento e de todos os fatores mentais que são chamados negativos ou obscurecedores, porque transtornam o espírito e o mergulham num estado de confusão e insegurança.”
” Segundo o budismo, três critérios permitem considerar como válida uma afirmação: a verificação pela experiência direta, a dedução irrefutável, e o testemunho digno de confiança.”
” A fé se torna superstição quando se distancia da razão, ou mais ainda, quando ela se opõe. Mas quando está associada a razão, impede-a de ser um simples jogo intelectual”
” Se define a fé como uma convicção nascida da experência.”
” Como só se pode transformar o mundo transformando a si mesmo, pouco importa ter sempre mais. Um praticante Budista pensa: “Quem sabe contentar-se com o que tem possui um tesouro em suas mãos”. A insatisfação nasce do hábito de considerar necessárias coisas supérfluas. Essa consideração não se aplica somente às riquezas, mas também ao conforto, aos prazeres e ao saber inútil. A única coisa com a qual nunca se deve estar saciado é com o conhecimento; e o único esforço que nunca se deve julgar suficiente é aquele que se faz pelo progresso espiritual e pela realização do bem de outrem.”
” A busca da sabedoria, da paz interior, frutos de uma visão que evocamos muitas vezes nestas conversas, e que consiste exatamente em desligar-se das paixões e ambições superficiais e em reservar a energia para ambições mais elevadas, de ordem intelectual, espiritual, estética, filosófica ou moral, de maneira a tornar as relações com outrem e o funcionamento da vida em comum tão humanas quanto possível.”
” Já dizia Epicuro que cada necessidade satisfeita cria novas necessidades e multiplica o sentimento de frustração.”
‘Enfim, a história do século XX foi a história do desabamento total das utopias sociais. Simplesmente, viu-se que isso não funcionava…. Mas para além desses tristes detalhes, ninguém duvida da idéia de se poder reconstruir inteiramente uma sociedade para torná-la perfeita foi desqualificade e afogada em sannnnngue pela história do século XX. Então o que resta? A volta à sabedoria, segundo as boas e velhas receitas. Isso explica o atual sucesso dos livros de certos jovens filósofos, os quais, retornando muito modestamente a preceitos de sabedoria prática, conheceram uma audiência considerável, ao passo que esses mesmos livros teriam provocado risadas 40 anos atrás.”
” A sabedoria não repousa sobre nenhuma certeza científica, e a certeza científica não leva a nenhuma sabedoria. No entanto, uma e outra existem, para sempre indispensáveis, para sempre separadas, para sempre complementares.”

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