Para livrar as crianças do pensamento acelerado
Patrícia Fonseca
“Hoje, com a agenda de cursos extracurriculares disputando atenção com a sedução dos eletrônicos (televisão, internet, smartphone, etc), as crianças não conseguem tempo para elaborar. A falta de tempo para pensar, sentir e filtrar estímulos, característica da infância no contemporâneo, pode desenvolver fadiga excessiva, facilidade para frustração, dificuldade de lidar com pessoas “lentas”, sofrimento por antecipação, déficit de concentração e de memória. Estamos assistindo ao assassinato coletivo da infância: Nossas crianças estão realizando um trabalho intelectual escravo legalizado.”
Fadiga excessiva ao acordar, dores de cabeça e pelo corpo, sensação de “nó na garganta”, queda de cabelo, facilidade para frustração, dificuldade de lidar com pessoas “lentas”, sofrimento por antecipação, déficit de concentração e de memória. Se você tem alguns destes sintomas associados, vale o alerta: pode estar sofrendo de ansiedade. Estas características foram elencadas pelo psiquiatra, psicoterapeuta e escritor Augusto Cury como sintomas do problema que define como “mal do século”, título de uma de suas publicações de sucesso. Estudioso do assunto, o médico aponta que, enquanto a depressão atinge 20% da população do planeta, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 80% sofrem de ansiedade.
Nesta quarta-feira, Cury estará no Recife para falar sobre ansiedade. O Diario antecipa o debate chamando atenção para um dado impactante: grande parte das crianças está sendo atingida pelo que o especialista chama de “síndrome do pensamento acelerado” (SPA), para ele , o maior causador da ansiedade. “Nós estamos assistindo o assassinato coletivo da infância. Nossas crianças estão realizando um trabalho intelectual escravo legalizado, são colocadas em mil cursos mais televisão, internet, celular, smartphone. Elas não têm tempo de desenvolver o processo de elaboração, de experimentar-se nas dificuldades, não têm tempo para a arte da contemplação, capacidade de estruturar-se, trabalhar as perdas e frustrações. Com certeza, essa melhor época para formar as funções da inteligência sócio emocional está sendo perdida, e a infância perdida gera consequências graves”, alerta o especialista.
Para Cury, as crianças e jovens acabam sem aprender a pensar antes de reagir, a colocar-se no lugar do outro, expor-se pelas ideias, proteger a emoção, filtrar estímulos estressantes, gerenciar a ansiedade, deixando de ser autores da própria história, o que, aliás, também vem acontecendo com os adultos. “É preciso ter resiliência, libertar o imaginário para desenvolver a criatividade. A infância está passando numa velocidade espantosa. As crianças estão viciadas. Não são apenas as drogas que viciam. Se os pais agirem retirando o celular do filho, em uma semana verão as reações aflitivas de uma verdadeira síndrome de abstinência. Tem que controlar. A partir dos sete anos, no máximo uma a duas horas por dia. Adolescentes, no máximo, duas a três horas por dia. Estes, muitas vezes ficam o dia inteiro nas redes sociais mas não se conectam profundamente com ninguém, não se colocam num círculo”, reclama.
Primeira lição: Desacelerar
No Bairro de Boa Viagem, no Recife, a família de um menino de 10 anos apostou nos métodos desenvolvidos pelo Instituto Augusto Cury para livrar a criança da SPA. As aulas acontecem uma vez por semana. “Ele participa desde que foi aberto o instituto, em 2014, e tem sido muito bom. Era uma criança bastante agitada, os professores achavam que ele precisava tomar remédio para hiperatividade, não concordamos. Era como se um motor de fórmula 1 estivesse sendo usado num fusquinha. Hoje ele consegue coordenar melhor a potência que tem, dentro do tamanho dele. Começou a tomar outra consciência de como fazer as coisas, como pensar antes de fazê-las. Nos estudos, como consegue ter mais controle, é capaz de prestar mais atenção às aulas “, avalia o pai de Vitor Augusto, o administrador de empresas Vitor Eduardo Eufrosino, 59 anos, que trabalha para uma multinacional no Nordeste.
A família tem papel fundamental nesse “despertar” da criança. “Os pais e as escolas têm que ensinar a arte da contemplação do belo, que é diferente de admirar. Contemplar é se entregar, absorver o máximo, dialogar de forma inteligente. Os pais têm de cruzar a história com seus filhos, dar aquilo que o dinheiro não compra, falar das suas lágrimas, crises e dificuldades para que eles entendam que ninguém vive de pódio e entendam como usar essas lágrimas para ter sucesso. No mundo todo estão errando, dando excesso de brinquedos, sem saber que o consumismo vicia o córtex cerebral, levando essas crianças a precisarem de cada vez mais para sentirem migalhas de prazer. Isso é muito grave. Também não são as melhores notas que formam melhores profissionais, mas as habilidades emocionais. Essas crianças estão adoecendo”, alerta Augusto Cury.
O pai de Vitor Augusto comemora o fato de não mais precisar controlar o uso do celular pelo filho: “Ele continua com as atividades normais, mas agora tem domínio. Sempre mostrei que essas coisas são para nos servir, não para sermos escravos delas. Ele sabe se comportar com o celular dele, coisa que o faz ficar mais amadurecido. Ele mesmo sabe a hora de usar. Claro, ele tem 10 anos e às vezes a gente precisa conversar, mas está sempre receptivo. Ele ouve”, comenta. O garoto, por sua vez, diz que se sente “curado” de uma sensação que interferia em sua vida. “Acho que mudou muita coisa. Antigamente eu fazia bagunça, era um aluno ruim, melhorei no estudo, minhas notas subiram muito. Fiquei uma pessoa mais livre, aberta para falar o que sinto, mais feliz, sem medo, sem aquela angústia dentro”, comenta com naturalidade.
Consciência e autocontrole
Essa conexão consigo e com os outros é, para o psicanalista Augusto Cury, o ponto chave da questão.”Se a sociedade nos abandona, a solidão é suportável, mas se nós mesmos nos abandonarmos é intolerável. Estamos assistindo a um auto-abandono coletivo. As pessoas não se conectam consigo mesmas. Também é importante criticar, discordar. Nunca numa sociedade livre houve tantos escravos. Estamos escravizados dentro de nós mesmos. O mundo está começando a despertar para a importância da inteligência emocional vital para o futuro de uma criança, das empresas, da sociedade, de um país”, alega.
Para os adultos, Cury adianta que nem tudo está perdido e que é possível, sim, deixar de ser uma pessoa ansiosa. Segundo o psiquiatria, não é possível deletar o que está registrado, mas para reciclar esse “lixo”, todos os dias as pessoas devem criticar os pensamentos perturbadores, as emoções, duvidar de falsas crenças, dos sentimentos de incapacidade, de exclusão e determinar estrategicamente uma postura tranquila, serena, pró-ativa. “Essa técnica se chama duvidar, criticar e determinar. Reúne o princípio da sabedoria na psicologia, nos recursos humanos, gera autocontrole, desacelera o pensamento e liberta o imaginário. É revolucionária. Em cinco segundos, um pensamento pode mudar nossa vida. Todos os seres humanos, jovens e adultos, devem criticar cada ideia perturbadora no exato momento em que ela aparece. Se não, um fenômeno inconsciente faz registro automático da memória em milésimos de segundo”, defende.
Ansiedade x diálogo
A mãe de uma criança de dois ou três anos de idade segura em uma das mãos o prato do almoço e na outra o celular, andando atrás do filho, que dá os comandos de quando e o quanto vai comer. Cenas como essa, testemunhada pelo piscólogo infantil Carlos Brito, podem ser vistas frequentemente em qualquer ambiente. Nas mesas dos restaurantes, celulares, tablets, smartphones são posicionados estrategicamente para garantir que as crianças e a família façam a refeição.
“Nessa hora, a tecnologia entra como mediador no lugar do diálogo, da lei da mãe. Isso é um gerador da ansiedade. A criança vai levar isso para qualquer situação, passando a ser a forma dela estar no mundo. A gente vê pais com dificuldade de colocar limites”, opina o psicólogo. O limite, para Brito, deve ser construído junto à família. “Depende dos acordos do dia a dia. Crianças pequenas devem ser expostas o menor número de horas possível aos games. É preciso ver onde isso está substituindo o diálogo da família”, sugere.
O terapeuta, também professor do curso de piscologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), tem estudado os efeitos dos jogos eletrônicos na aceleração do pensamento infantil e acredita que o excesso pode contribuir para interferir nessa questão de comportamento, na ansiedade e nos diagnósticos cada vez mais comuns de hiperatividade e deficit de atenção. “Pesquisas que venho fazendo mostram o lado positivo da tecnologia em trabalhar o raciocínio lógico, numa nova forma de narrativa contemporânea, mas que vem contribuindo bastante e, de fato, acelerando esse nível de pensamento da criança. Os jogos atingem diretamente a questão neurológica da criança, acelerando as sinapses nervosas e, se isso se não for bem conduzido, pode gerar uma ansiedade”, aponta.
Ansiosa por excelência, a criança tem encontrado no mundo atual um cenário em que impera o imediatismo e parâmetros pouco saudáveis a seguir. Aliando-se a fatores como a cobrança social, a ansiedade encontra terreno fértil para deixar de ser uma resposta natural de defesa do organismo, uma reação momentânea, para virar um estado de ser no mundo da criança, tornando-se prejudicial. “O mundo que ela vive é assim. É o modelo que ela tem: o gozo pleno, a satisfação imediata nas necessidades. A ansiedade, que seria natural, passa a ser algo preocupante, vai na frente, impedindo que ela compreenda a situação. Tudo no ser humano é tênue, é do humano, é natural. O que passa a ser preocupante, entre o normal e o patológico, é a intensidade. Como a criança pequena ainda não tem emocionalmente uma maneira de controlar essa aceleração, principalmente neurológica, tem dificuldade de adiar a resolução do desejo. Ela vai querer sempre mais e não tem esse controle. Se nós adultos temos dificuldade de desgrudar de um whatsapp, imagine uma criança que ainda não tem, do ponto de vista emocional e cognitivo, esse limite”.
Para o psicólogo, é alarmente quando essa ansiedade de forma exagerada, toma o corpo, a verbalização, o emocional, a fala, e passa a influenciar a vida da criança, que apresenta uma dificuldade real em aguardar a resolução de uma situação. “A ansieade, que num primeiro momento acomete o emocional, começa a se apropriar da esfera geral e você começa a ver reações de crianças mais ativas, agitadas. Com quatro, cinco, seis anos, muitas vezes vem o diagnóstico de hiperatividade, deficit de atenção”, aponta.
O diálogo, mais uma vez, pode ser a chave da questão, questionando, informando, ensinando, educando. Mas, para o psicólogo, ajuda muito a forma como tudo é dito à criança: “Os pais, por viverem também num mundo de pressa, muitas vezes não dão respostas capazes de satisfazer essa ansiedade. É preciso falar de uma maneira que tenha mais a ver com o universo infantil, deixar mais claro, exemplificando: “Já expliquei, vai ter que dormir dois dias’, ‘vai ser no dia em que a gente não estuda nem trabalha'”. Um exercício diário, mas com efeitos urgentes e de longa duração.
Fonte:www.diariodepernambuco.com.br – clique e conheça
http://www.antroposofy.com.br/forum/para-livrar-as-criancas-do-pensamento-acelerado/
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