Reencantar a Educação e Transformar o Mundo
Carolina Senna propõe uma visão sobre uma educação que vá além da escola
É com alegria que publicamos na nossa versão on-line parte do texto inédito do especial da nova edição da revista Bodisatva impressa, a n. 32, sobre Educação e transformação de mundo, que será lançada durante o Retiro de Verão no CEBB Caminho do Meio, neste sábado (29/02), a partir das 20h, ou pelo canal do Lama Samten no YouTube.
Em Reencantar a Educação e Transformar o Mundo, a educadora Carolina Senna nos fala sobre como os princípios da visão educacional baseada na compaixão como fonte para sustentação das coletividades humanas e do compartilhamento podem nos ajudar a desenvolver uma educação que vá além da sala de aula.
Nesta edição, embalada pelos vários braços da nossa grande mandala Brasil afora, além de trazermos várias visões de experiências educacionais, como o Programa Escolas Transformadoras, a revista publica textos de Lama Zopa Rinpoche e entrevista inédita com Elizabeth Mattis Namgyel, para que possamos finalmente olhar para dentro e engajar-nos numa investigação aberta sobre as verdadeiras causas da felicidade – para nós e para o mundo inteiro.
A versão completa deste texto está disponível apenas na edição impressa, que você poderá adquirir em breve em qualquer CEBB do Brasil ou em www.loja.bodisatva.com.br.
Escola pra quê?
“De quem é a escola? A quem a escola pertence?”. Estas foram as primeiras perguntas feitas pela estudante secundarista Ana Júlia na Assembleia Legislativa do Paraná, em um discurso que chamou a atenção de todo o país em 2016. Em dez minutos, ela deu uma verdadeira aula sobre democracia e o real papel da educação aos deputados presentes, mostrando que o processo educativo de um aluno é inseparável do mundo que o cerca. A voz desconcertantemente madura de Ana Júlia faz coro com a de muitas outras crianças e adolescentes ao redor do mundo, engajados em um movimento que, nas palavras da jornalista Eliane Brum, é “movido pela compreensão de que os adultos não são adultos”.
A ativista Greta Thunberg é o rosto mais conhecido desse movimento. Não por acaso, assim como no Ocupe Escola de Ana Júlia, o questionamento sobre o papel da educação e da escola também está na base do Greve das Escolas pelo Clima, a que ela deu início em Estocolmo, capital da Suécia, e que se espalhou pelo globo. Desde os primeiros protestos em sua cidade natal, que depois ocupou os lugares mais importantes da política mundial, como o Parlamento Europeu e a ONU, Greta tem trazido, de forma simples, questões mais profundas não apenas no que toca à educação contemporânea, mas à nossa própria visão de sociedade: “Por que eu deveria estar estudando se a mesma ciência que fundou o sistema educacional não é considerada pelos políticos?”. E mais: “Por que eu deveria estar estudando para um futuro que em breve não existirá mais?”.
Como porta-vozes da sensatez em meio a adultos que têm falhado em sua missão de planejar e construir um futuro melhor para todos, essas adolescentes explicitam os limites do que o Lama Padma Samten constantemente apresenta como paradigma econômico. Elas deixam o mundo dos adultos sem outra saída a não ser se questionar sobre os valores que pautam nossa sociedade atual.
Ensinar a condição humana
A visão de que a verdadeira educação só se dá de forma inseparável do seu mundo – e, na verdade, existe para transformar esse mundo – não é nova. Em 2000, a pedido da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), o filósofo francês Edgar Morin escreveu um livro-manifesto chamado Os sete saberes necessários à educação do futuro. Seu texto, que acabou se tornando uma referência mundial para repensar a educação, apresenta sete visões fundamentais a serem praticadas para se alcançar um novo tipo de sociedade. Morin faz uma crítica à fragmentação do conhecimento e deixa claros os limites do paradigma econômico e da visão da educação atrelada a uma visão de desenvolvimento limitada: “Concebido unicamente de modo técnico-econômico, o desenvolvimento chega a um ponto insustentável, inclusive o chamado desenvolvimento sustentável. É necessária uma noção mais rica e complexa do desenvolvimento, que seja não somente material, mas também intelectual, afetiva, moral…”.
“Ensinar a condição humana” é um dos saberes apontados por Morin quando destaca que “aprender o que significa ser humano” deveria ser objeto essencial de todo ensino. Para ele, essa natureza humana – que nos sistemas de ensino atuais se encontra desintegrada em diferentes disciplinas que não se complementam – precisa ser restaurada, de modo que “cada um, onde quer que se encontre, tome conhecimento e consciência, ao mesmo tempo, de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos”.
Desde os movimentos iniciais da sanga no sentido de fundar sua primeira escola, os ensinamentos do Lama Padma Samten têm ajudado a tecer uma visão de educação que ultrapasse esse paradigma econômico e nos reposicione em direção à compreensão de nossa humanidade compartilhada – coincidindo com a visão trazida para a Unesco por Morin. Nos ensinamentos budistas, essa noção está conectada a uma compreensão básica e indispensável à visão que inspira as duas escolas ligadas ao CEBB – a Escola Caminho do Meio (Viamão-RS) e a Escola Vila Verde (Alto Paraíso-GO): a compaixão é o princípio que sustenta as coletividades humanas e é o que realça nossa natureza compartilhada. Este é um ensinamento do qual o Lama nos relembra permanentemente, sempre se referindo à visão de Sua Santidade o Dalai Lama.
Nas palavras de Sua Santidade, citado por Matthieu Ricard em A revolução do altruísmo, “a educação não se resume em transmitir o saber e as competências que permitem alcançar objetivos limitados. Ela consiste também em abrir os olhos das crianças para os direitos e as necessidades dos outros. Cabe a nós fazer as crianças compreenderem que suas ações têm uma dimensão universal, e devemos encontrar um meio de fazê-las desenvolver sua empatia inata para que adquiram um sentimento de responsabilidade em direção ao seu próximo. Pois é isto que nos impele a agir. Na verdade, se tivermos que escolher entre a virtude e o saber, a virtude seria certamente preferível. O bom coração do qual é fruto é, em si, um grande benefício para a humanidade”.
Entretanto, neste ponto, o conflito que Greta e Ana trazem em suas falas fica explícito: como adultos que não compreenderam a sua condição humana e a dimensão universal de suas ações podem se dispor a conduzir uma escola, ou a própria sociedade? A desconexão entre visão e ação é a causa mais sutil dos maiores problemas que nossa sociedade enfrenta hoje. E este problema-raiz se vê refletido no ambiente escolar e precisa ser questionado e transcendido dentro dele. Para fazer nascer uma nova escola, os adultos deveriam indagar: como precisamos viver para que seja realmente possível ensinar às crianças aquilo que é necessário que elas aprendam? Quando essa pergunta surge dentro de uma comunidade escolar, a separação entre transformação interna e externa começa a se diluir, e a educação passa a transcender a própria escola.
É a partir desse lugar que, como orientação direta às duas escolas ligadas ao CEBB, o Lama Padma Samten tem proposto um olhar sobre o tema do reencantamento da vida. Este tema surge da necessidade de se repensar, de modo complexo e amplo, as nossas formas de viver na escola e para além dela. Dentro da escola, a visão de reencantamento impulsiona o processo educacional a gerar uma reflexão interna sobre a condição humana e a busca por felicidade, e também desafia a comunidade escolar a agir a partir das noções de auto-organização e vida em rede. Na visão e nas iniciativas que o Lama Padma Samten tem desenvolvido, há as escolas e há as aldeias. É necessário que as aldeias coloquem em marcha, a partir da atuação dos adultos, as transformações que aspiram que as novas gerações possam dar seguimento.
A versão completa deste texto está disponível apenas na edição impressa da Revista Bodisatva (n.32) , que você poderá adquirir em breve nos CEBBs do Brasil ou em www.loja.bodisatva.com.br.
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