COMO O EXCESSO DE EXPOSIÇÃO A TELAS PODE AFETAR O COMPORTAMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES SEGUNDO NEUROPEDIATRA
"Pais
devem brincar junto e incentivar brincadeiras de faz de conta, de situações da
vida real"(foto:
Violeta Andrada/Encontro)
Como o
excesso de exposição a telas pode afetar o comportamento de crianças e adolescentes
Neuropediatra alerta que os dispositivos
móveis chegam a provocar o que ele chama de autismo virtual
Bebês vidrados no iPad enquanto comem
com os pais em restaurantes. Crianças pequenas que já têm o próprio perfil no Netflix e sabem selecionar,
sozinhas, os desenhos preferidos. Cenas como essas estão mais comuns e, por
isso mesmo, têm preocupado especialistas cada vez mais. À medida que os
dispositivos móveis ganham espaço na vida dos pequenos, tem-se percebido, não
apenas por parte de médicos e psicólogos, mas especialmente pelas próprias
famílias, as mudanças que acontecem nos filhos, na sua relação com o mundo
real. Muitos pais relatam comportamentos agressivos, dificuldade de
socialização, dificuldade de aprendizado, além, claro, do vício nas telas e a consequente dificuldade de impor limites. Depoimentos
recentes de especialistas pelo mundo levantaram a possibilidade do que tem sido
chamado de "autismo virtual", ou seja, sintomas que se aproximam
daqueles associados a quadros de autismo, mas que têm origem no excesso de tela
e que, por isso, podem ser revertidos, com o tempo, ao se retirar esse hábito.
Para o neuropediatra
Rodrigo Carneiro Campos, presidente da Associação Brasileira de Neurologia e
Psiquiatria Infantil - regional Minas Gerais, o que os estudos já comprovam é
que o exagero no uso de telas causa alterações comportamentais e alterações no
funcionamento do cérebro. "Temos de focar na prevenção. As pessoas precisam
saber que o uso de telas acima de duas
horas por dia causa alterações comportamentais", afirma. "Se a
criança vai ou não ter um transtorno, isso depende de outras questões. Mas que causa alterações
comportamentais, disso não se tem dúvida."
1)Qual é a situação com que
nos deparamos hoje em relação às telas?
Rodrigo Carneiro Campos - Estamos em um momento caracterizado pela customização do conteúdo: temos acesso, na hora que quisermos, pelo tempo que quisermos, da forma que quisermos, a essas mídias. Elas vão ao encontro do que cada indivíduo deseja. Muitos apps, redes sociais, apresentam mecanismos de recompensa, como as curtidas, os likes. Os jogos, por sua vez, são intermináveis. O mundo digital é sedutor e viciante. Nosso cérebro não foi feito para receber tantos estímulos virtuais quanto temos hoje com aplicativos, videogames, Netflix...
2) Como saber que está havendo excesso?
Orientações da Sociedade Americana e Canadense de Pediatria são de, até os 2 anos de idade, zero tempo de exposição; de 3 a 5 anos, máximo de uma hora por dia; e de 6 a 18, até duas horas por dia. E o que vemos na prática é extremamente diferente disso. Trabalhos mostram que crianças evoluem com alterações de comportamento quando têm exposição excessiva: além de atrasos na leitura e escrita, são menos pacientes, mais irritáveis, têm dificuldade de convívio social, e isso vai se agravando com o passar do tempo.
3) Por que o excesso de tela causa essas alterações comportamentais?
Primeiramente, a criança tem uma postura passiva de só receber informações e estímulos visuais constantes. Muitas vezes, são informações superficiais, que não induzem ao raciocínio, à reflexão, à formação de conteúdo e conhecimento. Isso interfere no funcionamento do cérebro. E os comportamentos que se seguem, como impaciência, irritabilidade, refletem como o mundo virtual é diferente do real. O mundo real é mais lento, é contraditório, as pessoas não falam sempre aquilo que a gente quer ouvir. Já o mundo virtual se adapta às nossas necessidades. É um mundo muito confortável para quem o utiliza.
4) O que se aprende no mundo virtual fica para o mundo real?
O aprendizado virtual nem sempre é reproduzido na vida real. Existem jogos virtuais de montar, por exemplo - até jogos muito famosos, desses que as crianças adoram porque não têm fim -, que, quando convertidos para o mundo real, as crianças não conseguem reproduzir tal como foi feito na tela. Tem-se visto também que as habilidades motoras ficam reduzidas, o desenvolvimento motor fica restrito quando se usa muita tela.
5) Por que nem sempre esse conhecimento do mundo virtual se transfere?
Nós fomos feitos para aprender no mundo real. Ao longo da história, ao longo de milhares de anos, o cérebro humano foi formatado para uma aprendizagem no mundo real, não no virtual. Nós temos de vivenciar as experiências de forma motora, deslocando-se, tendo contato com outras pessoas, para aprender. Esse tempo gasto na tela é também um tempo em que a criança deixa de viver experiências no mundo real. A experiência somente visual e extremamente extenuante interfere no desenvolvimento da criança. Tanto que funcionários e donos das grandes empresas de tecnologia, especialmente do Vale do Silício, têm feito opção por levar seus filhos para escolas que não privilegiam a tecnologia.
6) Não se pode, então, confiar no fato de que se está oferecendo um tempo educativo?
Isso é uma armadilha. A tecnologia usada de forma comedida pode trazer informações que são úteis. Mas é preciso se lembrar que, no mesmo aparelho em que há um ou outro jogo educativo, há o Youtube, esses jogos intermináveis que fazem as crianças quererem jogar cada vez mais. É preciso evitar o acesso à tecnologia nas idades mais jovens, isso deveria fazer parte da prescrição do pediatra. O que se deve privilegiar é o contato com os pais, com outras crianças. Essa socialização, essa exploração do mundo real, é muito importante na formação do sistema nervoso central, no desenvolvimento normal delas, até sob o ponto de vista emocional.
7) O que é o "autismo virtual"?
Crianças com muita exposição a telas têm dificuldade na socialização, chegando a pontos extremos de um "autismo like". Elas não têm autismo, não têm nenhuma alteração genética, mas a exposição frequente e prolongada a esses meios eletrônicos faz com que essas crianças apresentem padrões comportamentais semelhantes aos de crianças com autismo. É algo reversível com a retirada das telas, mas o tempo que se perdeu durante esse período nem sempre é recuperável. E quanto mais tempo a criança fica e quanto maior a idade dela, mais difícil é essa reversão.
8) Que outros transtornos também podem estar relacionados ao excesso do uso de telas?
Além da ansiedade do retorno imediato, da recompensa imediata que vem através das curtidas, as pessoas ficam muito superficiais no que tange à resiliência. Pequenas frustrações geram desconforto muito grande, a ponto de causar desfechos drásticos como o suicídio na infância e adolescência. Além da depressão e casos de suicídio, temos visto aumento dos transtornos comportamentais, transtorno de ansiedade, transtorno opositivo-desafiador, déficit de atenção, transtornos de leitura, baixo rendimento escolar.
9) Os pais também precisam se regrar quanto ao uso de telas?
Criança vive de exemplo, não de regra. Então os pais também não podem ficar o tempo inteiro em seus dispositivos. Vemos, em restaurantes, cada um com seu telefone: pai, mãe, filhos. E um bebê que assiste a algo pelo tablet enquanto alguém lhe dá comida não vai nem vivenciar a experiência completa da alimentação nem o contato afetivo que acontece naquele momento.
10) Que orientação o senhor dá aos pais?
A orientação é, até os 2 anos, nada de telas. A partir daí, sempre a exposição com tempo determinado e sob supervisão de um responsável. Aliado a isso, orientamos a realizar atividades para contrapor, como atividades físicas, esportes de forma regular, música, leitura, meditação, ioga. Pais devem brincar junto e incentivar brincadeiras de faz de conta, de situações da vida real. E sobretudo priorizar a convivência. A convivência humana gera uma satisfação que não se consegue reproduzir no ambiente virtual. Temos de focar na prevenção: as pessoas precisam saber que acima de duas horas por dia de tela ocorrem alterações comportamentais. Se vai ou não haver um transtorno, isso depende da quantidade. Mas que causa alterações comportamentais, isso não tem dúvida.
Rodrigo Carneiro Campos - Estamos em um momento caracterizado pela customização do conteúdo: temos acesso, na hora que quisermos, pelo tempo que quisermos, da forma que quisermos, a essas mídias. Elas vão ao encontro do que cada indivíduo deseja. Muitos apps, redes sociais, apresentam mecanismos de recompensa, como as curtidas, os likes. Os jogos, por sua vez, são intermináveis. O mundo digital é sedutor e viciante. Nosso cérebro não foi feito para receber tantos estímulos virtuais quanto temos hoje com aplicativos, videogames, Netflix...
2) Como saber que está havendo excesso?
Orientações da Sociedade Americana e Canadense de Pediatria são de, até os 2 anos de idade, zero tempo de exposição; de 3 a 5 anos, máximo de uma hora por dia; e de 6 a 18, até duas horas por dia. E o que vemos na prática é extremamente diferente disso. Trabalhos mostram que crianças evoluem com alterações de comportamento quando têm exposição excessiva: além de atrasos na leitura e escrita, são menos pacientes, mais irritáveis, têm dificuldade de convívio social, e isso vai se agravando com o passar do tempo.
3) Por que o excesso de tela causa essas alterações comportamentais?
Primeiramente, a criança tem uma postura passiva de só receber informações e estímulos visuais constantes. Muitas vezes, são informações superficiais, que não induzem ao raciocínio, à reflexão, à formação de conteúdo e conhecimento. Isso interfere no funcionamento do cérebro. E os comportamentos que se seguem, como impaciência, irritabilidade, refletem como o mundo virtual é diferente do real. O mundo real é mais lento, é contraditório, as pessoas não falam sempre aquilo que a gente quer ouvir. Já o mundo virtual se adapta às nossas necessidades. É um mundo muito confortável para quem o utiliza.
4) O que se aprende no mundo virtual fica para o mundo real?
O aprendizado virtual nem sempre é reproduzido na vida real. Existem jogos virtuais de montar, por exemplo - até jogos muito famosos, desses que as crianças adoram porque não têm fim -, que, quando convertidos para o mundo real, as crianças não conseguem reproduzir tal como foi feito na tela. Tem-se visto também que as habilidades motoras ficam reduzidas, o desenvolvimento motor fica restrito quando se usa muita tela.
5) Por que nem sempre esse conhecimento do mundo virtual se transfere?
Nós fomos feitos para aprender no mundo real. Ao longo da história, ao longo de milhares de anos, o cérebro humano foi formatado para uma aprendizagem no mundo real, não no virtual. Nós temos de vivenciar as experiências de forma motora, deslocando-se, tendo contato com outras pessoas, para aprender. Esse tempo gasto na tela é também um tempo em que a criança deixa de viver experiências no mundo real. A experiência somente visual e extremamente extenuante interfere no desenvolvimento da criança. Tanto que funcionários e donos das grandes empresas de tecnologia, especialmente do Vale do Silício, têm feito opção por levar seus filhos para escolas que não privilegiam a tecnologia.
6) Não se pode, então, confiar no fato de que se está oferecendo um tempo educativo?
Isso é uma armadilha. A tecnologia usada de forma comedida pode trazer informações que são úteis. Mas é preciso se lembrar que, no mesmo aparelho em que há um ou outro jogo educativo, há o Youtube, esses jogos intermináveis que fazem as crianças quererem jogar cada vez mais. É preciso evitar o acesso à tecnologia nas idades mais jovens, isso deveria fazer parte da prescrição do pediatra. O que se deve privilegiar é o contato com os pais, com outras crianças. Essa socialização, essa exploração do mundo real, é muito importante na formação do sistema nervoso central, no desenvolvimento normal delas, até sob o ponto de vista emocional.
7) O que é o "autismo virtual"?
Crianças com muita exposição a telas têm dificuldade na socialização, chegando a pontos extremos de um "autismo like". Elas não têm autismo, não têm nenhuma alteração genética, mas a exposição frequente e prolongada a esses meios eletrônicos faz com que essas crianças apresentem padrões comportamentais semelhantes aos de crianças com autismo. É algo reversível com a retirada das telas, mas o tempo que se perdeu durante esse período nem sempre é recuperável. E quanto mais tempo a criança fica e quanto maior a idade dela, mais difícil é essa reversão.
8) Que outros transtornos também podem estar relacionados ao excesso do uso de telas?
Além da ansiedade do retorno imediato, da recompensa imediata que vem através das curtidas, as pessoas ficam muito superficiais no que tange à resiliência. Pequenas frustrações geram desconforto muito grande, a ponto de causar desfechos drásticos como o suicídio na infância e adolescência. Além da depressão e casos de suicídio, temos visto aumento dos transtornos comportamentais, transtorno de ansiedade, transtorno opositivo-desafiador, déficit de atenção, transtornos de leitura, baixo rendimento escolar.
9) Os pais também precisam se regrar quanto ao uso de telas?
Criança vive de exemplo, não de regra. Então os pais também não podem ficar o tempo inteiro em seus dispositivos. Vemos, em restaurantes, cada um com seu telefone: pai, mãe, filhos. E um bebê que assiste a algo pelo tablet enquanto alguém lhe dá comida não vai nem vivenciar a experiência completa da alimentação nem o contato afetivo que acontece naquele momento.
10) Que orientação o senhor dá aos pais?
A orientação é, até os 2 anos, nada de telas. A partir daí, sempre a exposição com tempo determinado e sob supervisão de um responsável. Aliado a isso, orientamos a realizar atividades para contrapor, como atividades físicas, esportes de forma regular, música, leitura, meditação, ioga. Pais devem brincar junto e incentivar brincadeiras de faz de conta, de situações da vida real. E sobretudo priorizar a convivência. A convivência humana gera uma satisfação que não se consegue reproduzir no ambiente virtual. Temos de focar na prevenção: as pessoas precisam saber que acima de duas horas por dia de tela ocorrem alterações comportamentais. Se vai ou não haver um transtorno, isso depende da quantidade. Mas que causa alterações comportamentais, isso não tem dúvida.
Neuropediatra
de BH esclarece áudio sobre exposição de crianças a telas
Rodrigo Carneiro ressalta que informações
não estão todas corretas, mas vale o alerta sobre o uso de tablets, smartphones
e jogos.
O excesso de uso de telas é uma
epidemia do mundo atual. Adultos, adolescentes e até crianças têm passado muito
mais tempo do que o recomendado em tablets, smartphones e serviços de
streaming. No caso de crianças, o exagero é ainda mais grave, pois estão em
processo de formação. Sobre esse assunto, que desafia pais no mundo todo, um
áudio de Whatsapp viralizou na semana passada. Uma pessoa dá resultados de
estudos supostamente apresentados pelo neuropediatra Rodrigo Carneiro,
presidente eleito da Sociedade Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil
e Profissões afins (Abenepi), em uma palestra, associando excesso de telas e
joguinhos a comportamentos autistas, entre outros sintomas.
"O áudio está no Brasil todo, até nos Estados
Unidos. Médicos de vários estados me ligaram após terem recebido", disse
Carneiro a Encontro. Ele divulgou nota de esclarecimento nas redes sociais da
Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil - regional Minas
Gerais, pois afirma que o áudio mistura diferentes aulas proferidas no
Congresso de Neurologia e Psiquiatria Infantil, em Vitória (ES), no final de
agosto. "Como o áudio viralizou, decidimos lançar uma nota, explicando as
informações corretas, para repassar a todos que procurarem saber sobre o
assunto", explicou.
No entanto, o especialista disse que ao menos o
alerta feito no áudio vale, pois o uso indiscriminado de telas realmente traz
consequências sérias para as crianças. "Ao menos vale para terem cuidado
com essa questão."
Confira a
nota de esclarecimento de Rodrigo Carneiro, na íntegra:
Tem um áudio de grande circulação nas redes
sociais, no qual conteúdos de palestras minhas são citados.
Este áudio tem importância para alertar sobre o uso
excessivo e indiscriminado das tecnologias (internet redes sociais e
videogames) por crianças e adolescentes pode gerar alterações de comportamento.
Porém algumas correções precisam ser feitas, ele
mistura dados de três palestras realizadas no 25º Congresso Brasileiro de
neurologia e psiquiatria infantil realizado no mês passado.
As mensagens que devem permanecer e que têm
evidências científicas são:
1 - Que uso de telas (televisão, tablet, celular e
videogames) antes de dois anos de idade causam importantes desvios no
desenvolvimento neuro psicomotor, não só pelo uso em si, mas também porque eles
competem com experiências sensoriais e motoras, como exploração do ambiente
contato com familiares e pessoas próximas que são de fundamental importância
para o desenvolvimento do cérebro humano.
2 - Então abaixo de dois anos de idade, o
recomendado é nenhum tipo exposição a tecnologia.
Entre 3 e 5 anos o recomendado é no máximo uma hora
por dia sob supervisão dos pais.
Entre 6 e 18 anos o recomendado pela Academia
Americana de Pediatria, são 2 horas por dia, sendo que pode variar dependendo
do conteúdo, hábitos de vida e nível de socialização. Recomendamos que este
tempo não exceda 4 horas.
Existe relação entre a quantidade exposição,
predisposição individual e qualidade do conteúdo, para que esse tempo seja
avaliado de forma individual.
3 - Falando em videogames está comprovado que o uso
excessivo pode causar dependência. Constará no Código internacional de doenças
CID-11, em vigor a partir de janeiro de 2022.
4 - É muito importante salientar que nenhuma
tecnologia substitui o contato pessoal direto. Valorização da família e amigos.
5 - Sono é extremamente importante e varia de
acordo com a faixa etária.
6 - Alimentação saudável, atividades físicas
regulares, brincadeiras ao ar livre, jogos de tabuleiro, esporte, leitura,
música, artes e meditação, bem como todas as atividades de contato humano são
essenciais para nossa saúde mental.Neuropediatra de BH esclarece áudio sobre
exposição de crianças a smartphones, tablets e jogos
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