A internet está deixando você burro?
Novos estudos mostram que e-mail, Twitter, Facebook, YouTube, MSN e todas as distrações do mundo digital estão nos transformando em pessoas mais rasas e colocando em risco a nossa capacidade de aprender
Felipe Pontes e Tiago Mali
Imagine uma festa badalada, repleta de gente bacana. São centenas de pessoas aparentemente descoladas, viajadas, inteligentes, abertas a novas amizades e cheias de histórias. Você seleciona uma delas e começa um diálogo. O vaivém de outras figuras igualmente interessantes é intenso. Apesar de o assunto estar divertido e envolvente, você então olha para o lado, perde o foco do indivíduo com quem dialogava, e dá início a um novo bate-papo. Não mais de 30 segundos depois, uma terceira pessoa desperta a sua atenção. Você repete a mesma ação, deixando o seu segundo interlocutor sozinho, e tenta se concentrar no novo assunto. E assim sucede-se a noite inteira. Lá pelas tantas, quando você resolve ir embora para casa, se dá conta de que não lembra o nome de nenhuma das pessoas com quem conversou. Pior ainda: sequer recorda o que falou com cada uma delas. A conclusão a que chega é que a noite foi perdida, como se não tivesse existido. E, apesar de ter conversado com muita gente, não conheceu ninguém de verdade e não lembra de nenhum assunto. A internet é mais ou menos assim. Repleta de coisas legais, informações relevantes, mas que você não consegue aproveitar como deveria pela tentadora avalanche de dados que lhe é ofertada. São janelas e mais janelas do navegador abertas, vídeos do YouTube rolando, Twitter abastecido a todo momento, MSN piscando sem parar, Facebook sendo atualizado... O que você estava fazendo mesmo?
Para se ter uma ideia da imensa quantidade de informações que atualmente temos à disposição, uma pesquisa realizada pela Global Information Center da Universidade de San Diego, nos EUA, aponta que em 2008 cada americano consumiu cerca de 34 GB de informação por dia, o que equivale a assistir a 68 longa-metragens com definição de uma televisão comum ou ler 34 mil livros de cerca de 200 páginas num período de apenas 24 horas. A pesquisa engloba desde os métodos de informação, digamos, tradicionais, como programas de TV, jornais e revistas impressos, até blogs, mensagens de celulares e jogos de videogame. De acordo com essa mesma pesquisa, o tempo que utilizamos nos informando passou de 7,4 horas, em 1960, para 11,8 horas, em 2008. É muita coisa.
Afinal, o que a web está fazendo conosco? Essa é a reflexão que o americano Nicholas Carr, um dos mais polêmicos pensadores da era digital, propõe em seu último livro, The Shallows: What Internet is Doing to Our Brains (Os rasos: o que a internet está fazendo com o nosso cérebro, ainda sem edição em português), lançado nos Estados Unidos no mês passado. “Estudos mostram que, quando estamos conectados, entramos em um ambiente que promove a leitura apressada, pensamento corrido, distraído e aprendizado superficial”, diz (leia entrevista completa nesta reportagem). Carr também é autor do best-seller A Grande Mudança, sobre as transformações sociais na era digital, e colaborador assíduo do jornal New York Times e da revista Wired, entre outras publicações. “Em resumo, ler na internet está nos deixando mais rasos e com menor capacidade de pensamento crítico”, afirma.
Foi estimulado por uma questão semelhante à de Carr que o psiquiatra Gary Small, da Universidade da Califórnia, fez, em 2008, o primeiro experimento que mostrou cérebros mudando em resposta a estímulos da internet. O pesquisador monitorou um grupo de internautas por ressonância magnética enquanto realizava buscas no Google. Descobriu que os mais experientes apresentavam uma atividade cerebral muito maior. Após o grupo de novatos ter sido colocado por uma semana para treinar as buscas na web, também passou a apresentar atividade semelhante à verificada nos experientes, o que sugere a formação de conexões neuronais. Isso não é necessariamente bom, apontou Small. A atividade aumentada se concentrou na área do cérebro associada à tomada de decisões, o que pode estar sobrecarregando nossas mentes. Faz sentido: quando lemos um texto na web, temos de decidir se clicamos ou não clicamos toda vez que aparece um link pela frente. Não se trata de uma ação bem-vinda quando se busca a compreensão de uma informação. A pesquisadora Erping Zhu, da Universidade de Michigan, notou isso quando colocou pessoas para ler o mesmo texto no computador, com e sem hiperlinks. Quanto mais hiperlinks, mais baixas foram as notas dos leitores no teste de compreensão aplicado ao fim da experiência. O estudo não foi o único. Uma revisão de 38 pesquisas sobre os efeitos dos hiperlinks, publicada em 2005 pela universidade canadense de Carleton, concluiu que a demanda crescente de tomar decisões com o hipertexto prejudicou a performance de leitura. Mais do que as interrupções por alertas de outros programas, a própria forma como o texto é apresentado na web representa um risco à compreensão.
“Assim que entro na web, começo a abrir uma janela atrás da outra. Todos os assuntos parecem me interessar, mas sinto que meu cérebro não consegue guardar tanta coisa”, diz a jornalista Lisbeth Assis, de 24 anos. “E quando o programa fecha, e eu não consegui salvar todas aquelas informações, me bate o desespero de estar perdendo algo muito importante.” A aflição de Lisbeth, que relata a confusão mental de quando está online, é consequência de a internet ser um “ecossistema de interrupção”, como descreve Cory Doctorow, co-editor do blog de cultura geek Boing Boing. Um estudo da Universidade de Glasgow, na Escócia, divulgado em 2007, mostrou que pessoas que trabalham em escritório checam seus e-mails, em média, de 30 a 40 vezes por hora (embora metade delas tenha respondido que olha apenas “mais de uma vez por hora”).
Esse habitat de mensagens instantâneas, RSS e alertas de todo o tipo nos mantém mais informados e conectados uns aos outros, mas cobra um preço. Quando paramos o que estamos fazendo para ver uma mensagem, passamos a ter mais dificuldade em memorizar — ação essencial no aprendizado. Aprender implica mudar fisicamente o nosso cérebro. A grosso modo, no momento em que tomamos contato com uma informação, produzimos uma reação cerebral que alguns cientistas classificam como “memória curta”. Sinapses (ligações entre neurônios) que já existiam são ativadas, mas isso não fica gravado automaticamente. Quando “salvamos” os dados em nossa caixola, além dessa ativação inicial, são produzidas proteínas e novas sinapses, responsáveis pela "memória longa".
Se retomamos a memória, ou seja, se lembramos, essas sinapses aumentam e se consolidam. Experimentos mostram que se, por outro lado, deixamos de retomar essa informação, as sinapses diminuem, mas ainda ficam em maior número do que eram antes. Isso indica que uma vez que você aprendeu verdadeiramente algo, o seu cérebro sofreu uma mudança física a longo prazo. A descrição desse processo de cognição rendeu ao cientista Eric Kandel o prêmio Nobel de Medicina de 2000. É ele quem avisa: é possível que o mecanismo de produção de proteínas e sinapses trave quando não conseguimos manter o foco. “Para lembrar de algo a longo prazo, você precisa prestar atenção e processar aquela informação profundamente. Nós não sabemos até que grau isso é comprometido quando usamos a internet”, diz Kandel, que também é professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e um dos especialistas mais respeitados do mundo no assunto.
Para o guitarrista Igor Fediczko, de 24 anos, esse comprometimento já é real. Navegador voraz da web, ele diz checar e-mail “umas 200 vezes por dia” em seu iPod Touch, e ter dificuldade em manter o foco. O músico conta ter reparado que, nos últimos anos, sua memória tem sofrido perdas. “Quando o escritor José Saramago morreu, tive a ideia de escrever um post no meu blog. Mas percebi que, apesar de ter lido quatro livros dele, não lembrava nada, nenhuma passagem. Aí notei que tinha alguma coisa errada comigo.”
No caso de Igor, as interrupções constantes do seu gadget piscando com uma nova mensagem podem causar ansiedade e estresse, fatores que, de acordo com especialistas, também atrapalham o processo de cognição. Além disso, o nosso cérebro não está preparado — pelo menos ainda não — para conseguir reter conhecimento eficientemente em uma velocidade tão acelerada como a que os usuários vorazes da internet imprimem. “Se há muitas informações concorrendo para serem lidas ao mesmo tempo, ou se elas chegam muito rapidamente, fica muito mais difícil. Necessitamos de atenção para que possamos aprender”, afirma Paulo Henrique Bertolucci, professor de neurologia clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Já se sabe que o nosso cérebro é extremamente plástico, capaz de se moldar de acordo com as transformações culturais que ocorrem ao redor. A cada adaptação, há uma reorganização interna: sinapses ligadas a certas atividades são reforçadas enquanto outras são enfraquecidas. “Quando os livros surgiram, a oratória desapareceu. Em cada ponto, quando você ganha algo, perde algo. A questão é: os ganhos superam as perdas? Meu palpite é que sim”, diz Kandel, que confia que a imensa quantidade de informação na rede representa um ganho gigantesco para a humanidade.
Esse não é o palpite de outro respeitado neurocientista e Ph.D. em fisiologia, Michael Merzenich, pioneiro nos Estados Unidos em estudos de como o cérebro se remodela por conta de estímulos externos. “Se eu tento resolver qualquer problema por basicamente olhar sua resposta, isso é algo muito diferente do que tentar resolvê-lo usando a inteligência e o raciocínio”, diz. É o que acontece, por exemplo, quando procuramos uma resposta no Google antes mesmo de refletirmos sobre a pergunta. “Certamente envolve uma manipulação de informação muito mais suave no uso de suas habilidades cognitivas”, afirma.
O uso “mais suave” do cérebro pode “destreiná-lo” em atividades relacionadas, fundamentalmente, à inteligência. É isso o que argumenta um artigo publicado no ano passado na revista Science pela psicóloga americana Patricia Greenfield, da Universidade da Califórnia, que analisa 52 estudos sobre o aumento do uso da internet, do videogame e da TV. Patricia, pesquisadora da área há 15 anos, conclui que as novas mídias trouxeram um desenvolvimento sofisticado de habilidades visuais-espaciais. Mas, ao mesmo tempo, reduziram a capacidade de lidarmos com vocabulário abstrato, reflexão, pensamento crítico e imaginação. Nas pesquisas, jogadores de videogame e internautas mostraram mais habilidade para lidar com várias tarefas ao mesmo tempo. Só que essas tarefas, alerta a autora, eram sempre executadas de maneira menos eficiente do que se fossem feitas separadamente. “Enquanto encorajar a multitarefa, a internet estará nos deixando menos inteligentes”, afirma. A forma de contra-atacar essa superficialidade seria passar mais tempo lendo livros e revistas, aconselha Patricia, que tem dois filhos e sugere aos pais administrar uma “dieta” balanceada dessas novas mídias para as suas crianças.
Embora o desempenho de muitas tarefas simultâneas possa colocar em risco métodos tradicionais de reflexão, outras maneiras de aproveitar a web estão trazendo novas formas de inteligência à sociedade. Clay Shirky, professor de comunicação interativa na Universidade de Nova York, mapeou algumas das mais importantes iniciativas na área em seu recém-lançado livro Cognitive Surplus (Excedente cognitivo, ainda sem edição no Brasil).
Em uma conta realizada com a ajuda do pesquisador da IBM Martin Wattenberg, Shirky estimou o esforço envolvido na produção dos cerca de 10 milhões de verbetes presentes na Wikipedia, até 2008, em 100 milhões de horas de pensamento humano. Embora pareça ser muito, só os americanos, no mesmo ano, ficaram 200 bilhões de horas assistindo TV (com esse tempo daria para criar 2 mil Wikipedias). “Em vez de as pessoas gastarem o seu tempo livre passivamente em frente à televisão, elas estão atuando de maneira colaborativa, contribuindo para que o conhecimento se espalhe”, diz Shirky em seu livro.
O problema da linha de pensamento de Shirky é que, embora o tempo gasto na internet aumente ano a ano, o tempo em frente à TV também cresce. Isso significa que as pessoas estão, cada vez mais, fazendo as duas coisas ao mesmo tempo — o que contribui para aumentar a multitarefa.
Fazer muitas coisas ao mesmo tempo nem sempre é ruim, e está longe de ser novidade para o ser humano. Para sobreviver, o homem primitivo precisava mudar de foco o tempo todo, o que reduzia a chance de ser pego de surpresa por um predador ou de que uma oportunidade de caça passasse despercebida. Conforme foram sendo criadas, as tecnologias liberaram o homem dessa multitarefa, o que resultou em mais tempo livre para se desenvolver em atividades que poderiam consumir mais da sua atenção. “Só que, com a aceleração tecnológica, a possibilidade de fazer mais coisas em um tempo menor virou necessidade novamente. Você passa a não existir socialmente sem a rapidez e a multiplicidade de informações e contatos. Estar conectado a várias pessoas ao mesmo tempo pode significar um emprego, por exemplo. Se antes ser multitarefa significava sobrevivência física, agora pode significar a sobrevivência social”, afirma Jonatas Dornelles, doutor em Antropologia Cultural pela UFRGS, que estuda cibercultura há 11 anos.
Para se ter uma ideia da imensa quantidade de informações que atualmente temos à disposição, uma pesquisa realizada pela Global Information Center da Universidade de San Diego, nos EUA, aponta que em 2008 cada americano consumiu cerca de 34 GB de informação por dia, o que equivale a assistir a 68 longa-metragens com definição de uma televisão comum ou ler 34 mil livros de cerca de 200 páginas num período de apenas 24 horas. A pesquisa engloba desde os métodos de informação, digamos, tradicionais, como programas de TV, jornais e revistas impressos, até blogs, mensagens de celulares e jogos de videogame. De acordo com essa mesma pesquisa, o tempo que utilizamos nos informando passou de 7,4 horas, em 1960, para 11,8 horas, em 2008. É muita coisa.
Afinal, o que a web está fazendo conosco? Essa é a reflexão que o americano Nicholas Carr, um dos mais polêmicos pensadores da era digital, propõe em seu último livro, The Shallows: What Internet is Doing to Our Brains (Os rasos: o que a internet está fazendo com o nosso cérebro, ainda sem edição em português), lançado nos Estados Unidos no mês passado. “Estudos mostram que, quando estamos conectados, entramos em um ambiente que promove a leitura apressada, pensamento corrido, distraído e aprendizado superficial”, diz (leia entrevista completa nesta reportagem). Carr também é autor do best-seller A Grande Mudança, sobre as transformações sociais na era digital, e colaborador assíduo do jornal New York Times e da revista Wired, entre outras publicações. “Em resumo, ler na internet está nos deixando mais rasos e com menor capacidade de pensamento crítico”, afirma.
Crédito: Victor Affaro
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LISBETH ASSIS, 24 ANOS, JORNALISTA >> Passa mais de 12 horas conectada por dia e diz que até pouco tempo já pensava no que ia twittar enquanto estava num ônibus, voltando do trabalho >> Acompanha mais de 10 abas ao mesmo tempo no navegador. Quando ele trava, não consegue se lembrar do que estava vendo |
Foi estimulado por uma questão semelhante à de Carr que o psiquiatra Gary Small, da Universidade da Califórnia, fez, em 2008, o primeiro experimento que mostrou cérebros mudando em resposta a estímulos da internet. O pesquisador monitorou um grupo de internautas por ressonância magnética enquanto realizava buscas no Google. Descobriu que os mais experientes apresentavam uma atividade cerebral muito maior. Após o grupo de novatos ter sido colocado por uma semana para treinar as buscas na web, também passou a apresentar atividade semelhante à verificada nos experientes, o que sugere a formação de conexões neuronais. Isso não é necessariamente bom, apontou Small. A atividade aumentada se concentrou na área do cérebro associada à tomada de decisões, o que pode estar sobrecarregando nossas mentes. Faz sentido: quando lemos um texto na web, temos de decidir se clicamos ou não clicamos toda vez que aparece um link pela frente. Não se trata de uma ação bem-vinda quando se busca a compreensão de uma informação. A pesquisadora Erping Zhu, da Universidade de Michigan, notou isso quando colocou pessoas para ler o mesmo texto no computador, com e sem hiperlinks. Quanto mais hiperlinks, mais baixas foram as notas dos leitores no teste de compreensão aplicado ao fim da experiência. O estudo não foi o único. Uma revisão de 38 pesquisas sobre os efeitos dos hiperlinks, publicada em 2005 pela universidade canadense de Carleton, concluiu que a demanda crescente de tomar decisões com o hipertexto prejudicou a performance de leitura. Mais do que as interrupções por alertas de outros programas, a própria forma como o texto é apresentado na web representa um risco à compreensão.
* Que mudanças a internet está causando em nossa mente? Carr: Ela nos encoraja a avaliar vários pequenos pedaços de informação de uma maneira muito rápida, enquanto tentamos driblar uma série de interrupções e distrações. Esse modo de pensamento é importante e valioso. Mas, quando usamos a internet de maneira mais intensiva, começamos a sacrificar outros modos de pensamento, particularmente aqueles que requerem contemplação, reflexão e introspecção. E isso tem consequências. Os modos contemplativos sustentam a criatividade, empatia, profundidade emocional, e o desenvolvimento de uma personalidade única. Nós podemos ser bem eficientes e bem produtivos sem esses modos de pensamento, mas como seres humanos nos tornamos mais rasos e menos interessantes e distintos intelectualmente. * As evidências são preocupantes? Carr: Mais do que eu esperava. Nossos cérebros são altamente maleáveis. Isso permite que nos adaptemos a novas circunstâncias e experiências, mas isso também pode ser algo ruim. Podemos treinar nosso cérebro para pensar de maneira rasa ou profundamente com a mesma facilidade. Estudos mostram que, quando ficamos online, entramos em um ambiente que promove a leitura apressada, pensamento distraído e aprendizado superficial. É possível pensar profundamente enquanto surfamos na web, mas não é o que a tecnologia encoraja e premia. * Quais são as diferenças em relação à leitura de um livro tradicional, feito com papel e tinta? Carr: O livro impresso e a internet são o que chamo de “ferramentas da mente”, mas seria difícil de imaginar duas ferramentas mais diferentes. Como tecnologia, um livro foca nossa atenção, nos isola das várias distrações que enchem nossas vidas diárias. Um computador conectado faz o oposto. É desenhado para dispersar nossa atenção. Ele não protege a gente das distrações do ambiente; se une a elas. Ao passo em que nos movemos do mundo da página para o mundo da tela, nós estamos treinando nosso cérebro para ser rápido, mas superficial. * Você diz que a internet é melhor compreendida como parte de uma tendência... Carr: As tecnologias que usamos para reunir, armazenar e dividir informação mudaram nossa formação intelectual. Mapas, relógios, livros e TV nos mudaram. E agora a internet está nos mudando. Ela abriu um novo capítulo em nossa história intelectual, mas a história está acontecendo há muito tempo. |
Crédito: Victor Affaro
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IGOR FEDICZKO, 24 ANOS, GUITARRISTA DA FABULOSA BANDA DO CURINGA >> Acha muito mais fácil pegar o iPod Touch e escrever 140 caracteres do que ler quatro páginas de um livro >> Durante os ensaios com a banda, deixa de tocar guitarra para checar seus e-mails no smartphone >> Leu quatro livros do falecido José Saramago, um duas vezes, mas não se lembra direito de nenhum trecho |
“Assim que entro na web, começo a abrir uma janela atrás da outra. Todos os assuntos parecem me interessar, mas sinto que meu cérebro não consegue guardar tanta coisa”, diz a jornalista Lisbeth Assis, de 24 anos. “E quando o programa fecha, e eu não consegui salvar todas aquelas informações, me bate o desespero de estar perdendo algo muito importante.” A aflição de Lisbeth, que relata a confusão mental de quando está online, é consequência de a internet ser um “ecossistema de interrupção”, como descreve Cory Doctorow, co-editor do blog de cultura geek Boing Boing. Um estudo da Universidade de Glasgow, na Escócia, divulgado em 2007, mostrou que pessoas que trabalham em escritório checam seus e-mails, em média, de 30 a 40 vezes por hora (embora metade delas tenha respondido que olha apenas “mais de uma vez por hora”).
Esse habitat de mensagens instantâneas, RSS e alertas de todo o tipo nos mantém mais informados e conectados uns aos outros, mas cobra um preço. Quando paramos o que estamos fazendo para ver uma mensagem, passamos a ter mais dificuldade em memorizar — ação essencial no aprendizado. Aprender implica mudar fisicamente o nosso cérebro. A grosso modo, no momento em que tomamos contato com uma informação, produzimos uma reação cerebral que alguns cientistas classificam como “memória curta”. Sinapses (ligações entre neurônios) que já existiam são ativadas, mas isso não fica gravado automaticamente. Quando “salvamos” os dados em nossa caixola, além dessa ativação inicial, são produzidas proteínas e novas sinapses, responsáveis pela "memória longa".
Se retomamos a memória, ou seja, se lembramos, essas sinapses aumentam e se consolidam. Experimentos mostram que se, por outro lado, deixamos de retomar essa informação, as sinapses diminuem, mas ainda ficam em maior número do que eram antes. Isso indica que uma vez que você aprendeu verdadeiramente algo, o seu cérebro sofreu uma mudança física a longo prazo. A descrição desse processo de cognição rendeu ao cientista Eric Kandel o prêmio Nobel de Medicina de 2000. É ele quem avisa: é possível que o mecanismo de produção de proteínas e sinapses trave quando não conseguimos manter o foco. “Para lembrar de algo a longo prazo, você precisa prestar atenção e processar aquela informação profundamente. Nós não sabemos até que grau isso é comprometido quando usamos a internet”, diz Kandel, que também é professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e um dos especialistas mais respeitados do mundo no assunto.
Para o guitarrista Igor Fediczko, de 24 anos, esse comprometimento já é real. Navegador voraz da web, ele diz checar e-mail “umas 200 vezes por dia” em seu iPod Touch, e ter dificuldade em manter o foco. O músico conta ter reparado que, nos últimos anos, sua memória tem sofrido perdas. “Quando o escritor José Saramago morreu, tive a ideia de escrever um post no meu blog. Mas percebi que, apesar de ter lido quatro livros dele, não lembrava nada, nenhuma passagem. Aí notei que tinha alguma coisa errada comigo.”
No caso de Igor, as interrupções constantes do seu gadget piscando com uma nova mensagem podem causar ansiedade e estresse, fatores que, de acordo com especialistas, também atrapalham o processo de cognição. Além disso, o nosso cérebro não está preparado — pelo menos ainda não — para conseguir reter conhecimento eficientemente em uma velocidade tão acelerada como a que os usuários vorazes da internet imprimem. “Se há muitas informações concorrendo para serem lidas ao mesmo tempo, ou se elas chegam muito rapidamente, fica muito mais difícil. Necessitamos de atenção para que possamos aprender”, afirma Paulo Henrique Bertolucci, professor de neurologia clínica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Crédito: Victor Affaro
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GUSTAVO JREIGE, 21 ANOS, COORDENADOR DE CRIAÇÃO E CONTEÚDO DA POLVORA!, AGÊNCIA DE MÍDIA SOCIAL >> Lida com cerca de 10 projetos simultaneamente. Ao mesmo tempo, costuma conversar sobre um por telefone e tocar outro via MSN >> Diz ter pouco conhecimento enciclopédico, mas não se importa com isso porque pode fazer uma pesquisa no Google |
Já se sabe que o nosso cérebro é extremamente plástico, capaz de se moldar de acordo com as transformações culturais que ocorrem ao redor. A cada adaptação, há uma reorganização interna: sinapses ligadas a certas atividades são reforçadas enquanto outras são enfraquecidas. “Quando os livros surgiram, a oratória desapareceu. Em cada ponto, quando você ganha algo, perde algo. A questão é: os ganhos superam as perdas? Meu palpite é que sim”, diz Kandel, que confia que a imensa quantidade de informação na rede representa um ganho gigantesco para a humanidade.
Esse não é o palpite de outro respeitado neurocientista e Ph.D. em fisiologia, Michael Merzenich, pioneiro nos Estados Unidos em estudos de como o cérebro se remodela por conta de estímulos externos. “Se eu tento resolver qualquer problema por basicamente olhar sua resposta, isso é algo muito diferente do que tentar resolvê-lo usando a inteligência e o raciocínio”, diz. É o que acontece, por exemplo, quando procuramos uma resposta no Google antes mesmo de refletirmos sobre a pergunta. “Certamente envolve uma manipulação de informação muito mais suave no uso de suas habilidades cognitivas”, afirma.
O uso “mais suave” do cérebro pode “destreiná-lo” em atividades relacionadas, fundamentalmente, à inteligência. É isso o que argumenta um artigo publicado no ano passado na revista Science pela psicóloga americana Patricia Greenfield, da Universidade da Califórnia, que analisa 52 estudos sobre o aumento do uso da internet, do videogame e da TV. Patricia, pesquisadora da área há 15 anos, conclui que as novas mídias trouxeram um desenvolvimento sofisticado de habilidades visuais-espaciais. Mas, ao mesmo tempo, reduziram a capacidade de lidarmos com vocabulário abstrato, reflexão, pensamento crítico e imaginação. Nas pesquisas, jogadores de videogame e internautas mostraram mais habilidade para lidar com várias tarefas ao mesmo tempo. Só que essas tarefas, alerta a autora, eram sempre executadas de maneira menos eficiente do que se fossem feitas separadamente. “Enquanto encorajar a multitarefa, a internet estará nos deixando menos inteligentes”, afirma. A forma de contra-atacar essa superficialidade seria passar mais tempo lendo livros e revistas, aconselha Patricia, que tem dois filhos e sugere aos pais administrar uma “dieta” balanceada dessas novas mídias para as suas crianças.
“Ligo o computador, vou direto à internet e abro umas cinco janelas. Enquanto isso já vou colocando uma senha atrás da outra, abro mais abas, ligo o MSN, resolvo postar algo novo no meu blog. É sempre assim. Não consigo fazer uma coisa só, abrir uma única página e ficar lendo com calma”, afirma a professora de francês Eleonora Ribeiro, de 25 anos. Recém-formada em Letras, Eleonora cultiva, além da intensa atividade digital, um grande hábito de leitura em papel. Quando lê livros, no entanto, a professora diz que nada tira a sua atenção. “Aí eu não disperso.”
Ainda não, mas pode começar em breve. Estudos recentes mostram indícios de que pessoas excessivamente multitarefa na internet podem levar essa desatenção para atividades offline. Um desses estudos foi feito pelo pesquisador Eyal Ophir, da Universidade de Stanford, publicado em 2009 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences. Nos experimentos foram separados grupos de voluntários entre “muito multitarefa” (que relataram fazer inúmeras atividades ao mesmo tempo) e “pouco multitarefa”. Ambos participaram de um teste em que eram mostradas rapidamente imagens com retângulos vermelhos e azuis. Logo depois, uma imagem semelhante aparecia na tela do computador e os voluntários tinham de responder se os retângulos vermelhos haviam se movido. Os “mais multitarefa” se saíram significativamente pior. Eles tiveram mais dificuldade em filtrar informações irrelevantes (os retângulos azuis) e ficaram mais suscetíveis a guardar estímulos sem importância na memória. Mais ou menos o que acontece todos os dias conosco ao nos conectarmos na rede, quando muitas vezes deixamos de lado atividades essenciais para nos distrairmos com a janelinha do MSN piscando. “Nós podemos estar nos tornando meros decodificadores de informação, sem capacidade para decidir o que é de fato importante”, diz Carr.
Essa também é uma preocupação do psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, que coordena o Centro de Estudos de Dependência de Internet, no Hospital das Clínicas, em São Paulo. “Os jovens que usam muito a web têm uma rapidez muito maior, só que isso não quer dizer que eles tenham habilidades mais profundas. Conseguem fazer várias tarefas ao mesmo tempo, mas a gente entende que essas características acabam ficando mais rasas”, afirma Nabuco, que lida há mais de quatro anos com distúrbios de comportamento ligados à web.
Ainda não, mas pode começar em breve. Estudos recentes mostram indícios de que pessoas excessivamente multitarefa na internet podem levar essa desatenção para atividades offline. Um desses estudos foi feito pelo pesquisador Eyal Ophir, da Universidade de Stanford, publicado em 2009 no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences. Nos experimentos foram separados grupos de voluntários entre “muito multitarefa” (que relataram fazer inúmeras atividades ao mesmo tempo) e “pouco multitarefa”. Ambos participaram de um teste em que eram mostradas rapidamente imagens com retângulos vermelhos e azuis. Logo depois, uma imagem semelhante aparecia na tela do computador e os voluntários tinham de responder se os retângulos vermelhos haviam se movido. Os “mais multitarefa” se saíram significativamente pior. Eles tiveram mais dificuldade em filtrar informações irrelevantes (os retângulos azuis) e ficaram mais suscetíveis a guardar estímulos sem importância na memória. Mais ou menos o que acontece todos os dias conosco ao nos conectarmos na rede, quando muitas vezes deixamos de lado atividades essenciais para nos distrairmos com a janelinha do MSN piscando. “Nós podemos estar nos tornando meros decodificadores de informação, sem capacidade para decidir o que é de fato importante”, diz Carr.
Essa também é uma preocupação do psicólogo Cristiano Nabuco de Abreu, que coordena o Centro de Estudos de Dependência de Internet, no Hospital das Clínicas, em São Paulo. “Os jovens que usam muito a web têm uma rapidez muito maior, só que isso não quer dizer que eles tenham habilidades mais profundas. Conseguem fazer várias tarefas ao mesmo tempo, mas a gente entende que essas características acabam ficando mais rasas”, afirma Nabuco, que lida há mais de quatro anos com distúrbios de comportamento ligados à web.
Você não precisa temer a internet. A mente da geração digital parece ser incrivelmente flexível, adaptável e ter um profundo conhecimento de mídia. A imersão em um ambiente digital e interativo fará as pessoas mais inteligentes do que a média dos sedentários que passam o tempo todo assistindo TV no sofá. Em vez de simplesmente receberem as informações, eles interagem. Em vez de apenas acreditarem que um anunciante na TV está falando a verdade, avaliam minuciosamente a mistura de fatos contraditórios ou ambíguos. A internet deu a oportunidade de tornar essa geração a mais inteligente da história. O que conta não é mais o que você sabe: é o que você pode aprender. Hoje, o importante é processar as informações novas o mais rápido possível. Nós estamos na era da informação, onde, à medida que os empregos mudam, você não pode enviar seus empregados para outro treinamento. Nós precisamos aprender constantemente, pelo resto das nossas vidas. Esse novo mundo permite que trabalhemos unidos como uma mente só, qualificada para resolver nossos problemas. Agora, os cientistas podem acelerar suas pesquisas ao abrir suas informações e métodos possibilitando que colegas experientes do mundo inteiro colaborem. Médicos podem ajudar comunidades de pacientes onde pessoas com problemas de saúde semelhantes dividem informações, fornecem auxílio mútuo e contribuem para a pesquisa. Nós entramos numa era de contribuição. Milhões colaboraram com a Wikipedia, e milhares em iniciativas como o Linux e o Projeto Genoma Humano (PGH). Há agora uma oportunidade histórica. Afinal, o potencial para novos modelos de colaboração não termina com a produção de software, mídia e entretenimento. Por que nosso governo, nosso sistema educacional, de saúde, de pesquisas científicas e a produção de energia não têm um “código aberto”? São oportunidades reais e palpáveis, não fantasias. Vivemos um tempo excitante, onde todos podem participar na produção de informação de maneira que antes era impossível. Para os governos e sociedade como um todo, as evidências mostram que nós podemos armazenar a explosão de conhecimento, colaboração e inovação de negócios para liderarmos vidas mais ricas e cheias, e estimularmos a prosperidade e o desenvolvimento. * don tapscott é consultor de empresas como general electric e autor dos livros wikinomics e a hora da geração digital, entre outros. ele já conseguiu us$ 4 milhões para investir em pesquisas sobre a “geração net” |
Não há quem diga — nem mesmo Carr, blogueiro e grande frequentador da rede — que a internet em si é o problema. A grande preocupação é o que ela tornou possível: fazer muitas coisas simultaneamente e receber uma quantidade de estímulos nunca antes experimentada. “Não há de se demonizar a web. Se minha filha de sete anos tenta fazer o dever de casa ao mesmo tempo em que assiste à televisão, ela não vai conseguir”, diz o neurocientista Martin Cammarota, do Centro de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Se a informação for canalizada de forma adequada, defende Cammarota, não temos com o que nos preocupar.
A questão é como fazer essa canalização. A dificuldade em lidar com a multiplicidade de estímulos vem no momento histórico em que temos mais acesso à informação, seja pela televisão, pelo smartphone ou pelo laptop. “Se você usa gadgets o tempo inteiro, sua mente passa a ficar sobrecarregada. A questão é: como tirar o máximo de proveito desses aparelhos sem ser prejudicado por eles? Devemos desenvolver um método para nos desconectarmos de vez em quando”, diz o escritor e historiador americano William Powers, que acaba de lançar o livro Hamlet’s BlackBerry (O BlackBerry de Hamlet, ainda sem edição em português), em que discorre sobre como lidar de forma saudável com a tecnologia (veja quadro com dicas abaixo).
A questão é como fazer essa canalização. A dificuldade em lidar com a multiplicidade de estímulos vem no momento histórico em que temos mais acesso à informação, seja pela televisão, pelo smartphone ou pelo laptop. “Se você usa gadgets o tempo inteiro, sua mente passa a ficar sobrecarregada. A questão é: como tirar o máximo de proveito desses aparelhos sem ser prejudicado por eles? Devemos desenvolver um método para nos desconectarmos de vez em quando”, diz o escritor e historiador americano William Powers, que acaba de lançar o livro Hamlet’s BlackBerry (O BlackBerry de Hamlet, ainda sem edição em português), em que discorre sobre como lidar de forma saudável com a tecnologia (veja quadro com dicas abaixo).
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Crédito: Victor Affaro
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ELEONORA RIBEIRO, 25 ANOS, PROFESSORA DE FRANCÊS >> Gosta muito de ler livros porque eles não têm abas e conseguem prender sua atenção >> Usa a internet para tirar dúvidas gramaticais da língua francesa junto com dicionários |
Embora o desempenho de muitas tarefas simultâneas possa colocar em risco métodos tradicionais de reflexão, outras maneiras de aproveitar a web estão trazendo novas formas de inteligência à sociedade. Clay Shirky, professor de comunicação interativa na Universidade de Nova York, mapeou algumas das mais importantes iniciativas na área em seu recém-lançado livro Cognitive Surplus (Excedente cognitivo, ainda sem edição no Brasil).
Em uma conta realizada com a ajuda do pesquisador da IBM Martin Wattenberg, Shirky estimou o esforço envolvido na produção dos cerca de 10 milhões de verbetes presentes na Wikipedia, até 2008, em 100 milhões de horas de pensamento humano. Embora pareça ser muito, só os americanos, no mesmo ano, ficaram 200 bilhões de horas assistindo TV (com esse tempo daria para criar 2 mil Wikipedias). “Em vez de as pessoas gastarem o seu tempo livre passivamente em frente à televisão, elas estão atuando de maneira colaborativa, contribuindo para que o conhecimento se espalhe”, diz Shirky em seu livro.
O problema da linha de pensamento de Shirky é que, embora o tempo gasto na internet aumente ano a ano, o tempo em frente à TV também cresce. Isso significa que as pessoas estão, cada vez mais, fazendo as duas coisas ao mesmo tempo — o que contribui para aumentar a multitarefa.
Fazer muitas coisas ao mesmo tempo nem sempre é ruim, e está longe de ser novidade para o ser humano. Para sobreviver, o homem primitivo precisava mudar de foco o tempo todo, o que reduzia a chance de ser pego de surpresa por um predador ou de que uma oportunidade de caça passasse despercebida. Conforme foram sendo criadas, as tecnologias liberaram o homem dessa multitarefa, o que resultou em mais tempo livre para se desenvolver em atividades que poderiam consumir mais da sua atenção. “Só que, com a aceleração tecnológica, a possibilidade de fazer mais coisas em um tempo menor virou necessidade novamente. Você passa a não existir socialmente sem a rapidez e a multiplicidade de informações e contatos. Estar conectado a várias pessoas ao mesmo tempo pode significar um emprego, por exemplo. Se antes ser multitarefa significava sobrevivência física, agora pode significar a sobrevivência social”, afirma Jonatas Dornelles, doutor em Antropologia Cultural pela UFRGS, que estuda cibercultura há 11 anos.
A sobrevivência multitarefa em um contexto diferenciado pode estar criando um outro tipo de inteligência, argumenta Dornelles. Exemplo desse novo tempo é Gustavo Jreige, gerente de criação da empresa de comunicação Polvora!, em São Paulo. Aos 13 anos, ele ficava 15 horas por dia no computador. Hoje, aos 21, passa o tempo todo conectado e acredita que não conseguiria viver sem ser multitarefa. Assim como o músico Igor, ele também sente revezes na memória, mas não se incomoda com isso: “Para que eu preciso lembrar de certas coisas se posso fazer uma pesquisa e encontrar muito mais do que eu supostamente já deveria saber?”. Gustavo sintetiza a forma de pensar da geração que está conectada desde a infância. “Já não é o que você sabe que conta, é o que você pode aprender. No mundo de hoje, o mais importante é ter habilidade para processar a informação na velocidade da luz”, diz o executivo Don Tapscott, autor do livro Wikinomics (leia artigo do autor nesta reportagem). O canadense liderou uma pesquisa de US$ 4 milhões que analisou, em 2008, os hábitos de 11 mil pessoas entre 11 e 30 anos, grupo que ele convencionou chamar de “geração net”.
Tapscott afirma que a web está fazendo com que essa geração seja a mais inteligente de todas, baseado em testes que mostram aumento de quociente de inteligência (QI). No entanto, a média de QI das pessoas cresce em ritmo estável desde antes da Segunda Guerra. Ou seja, não é o efeito da propagação da internet que está causando isso. Essa nova inteligência se mostra de outras formas, como prova Gustavo. Em 2006, então com 17 anos, ele reuniu jovens do Brasil pela internet para entrevistar candidatos à eleição presidencial. Aos 18, escrevia reportagens de tecnologia no jornal O Estado de S. Paulo. “No dia a dia eu lido com mais de dez clientes e projetos diferentes. Não preciso estar 100% focado em alguma coisa para conseguir dar conta dela.”
O prêmio Nobel de Medicina Eric Kandel diz que há, sim, risco de que uma mudança de comportamento em direção à multitarefa possa trazer consequências ruins aos nossos cérebros. Entretanto, ele vê mais motivos para sermos otimistas frente à revolução digital. “É incrível que crianças pobres que não têm acesso a bibliotecas e a livros estejam mais perto disso tudo com a internet. Eu posso conseguir referências imediatas a qualquer artigo de jornal nos últimos 20 anos e a livros em poucos segundos”, diz.
E quanto a não guardar mais tantas informações e deixar o Google se transformar em nossa memória, não se trata de algo perigoso? Kandel filosofa: “Quem disse que a memória é tão maravilhosa se você não tem nenhum uso para ela? Não é a memória em si que é tão bonita. É a recitação dela, a sensualidade, o prazer em revisitá-la”.
Tapscott afirma que a web está fazendo com que essa geração seja a mais inteligente de todas, baseado em testes que mostram aumento de quociente de inteligência (QI). No entanto, a média de QI das pessoas cresce em ritmo estável desde antes da Segunda Guerra. Ou seja, não é o efeito da propagação da internet que está causando isso. Essa nova inteligência se mostra de outras formas, como prova Gustavo. Em 2006, então com 17 anos, ele reuniu jovens do Brasil pela internet para entrevistar candidatos à eleição presidencial. Aos 18, escrevia reportagens de tecnologia no jornal O Estado de S. Paulo. “No dia a dia eu lido com mais de dez clientes e projetos diferentes. Não preciso estar 100% focado em alguma coisa para conseguir dar conta dela.”
O prêmio Nobel de Medicina Eric Kandel diz que há, sim, risco de que uma mudança de comportamento em direção à multitarefa possa trazer consequências ruins aos nossos cérebros. Entretanto, ele vê mais motivos para sermos otimistas frente à revolução digital. “É incrível que crianças pobres que não têm acesso a bibliotecas e a livros estejam mais perto disso tudo com a internet. Eu posso conseguir referências imediatas a qualquer artigo de jornal nos últimos 20 anos e a livros em poucos segundos”, diz.
E quanto a não guardar mais tantas informações e deixar o Google se transformar em nossa memória, não se trata de algo perigoso? Kandel filosofa: “Quem disse que a memória é tão maravilhosa se você não tem nenhum uso para ela? Não é a memória em si que é tão bonita. É a recitação dela, a sensualidade, o prazer em revisitá-la”.
"Enquanto produzia este texto fui interrompido uma média de 40 vezes por hora via apitos do Twitter e Facebook; 30, por alertas de novos e-mails e, enquanto procurava referências na internet, apareceu uma infinidade de links para informações que, apesar de serem do meu interesse, me distraíram do objetivo inicial. Também soube que um amigo precisava de ajuda, morri de rir com um vídeo no YouTube que mostrava jovens tentando uma vaga no musical High School Musical e de duas mulheres de Sorocaba supostamente brigando pelo mesmo homem; respondi às piadas que me mandaram via MSN. Por pouco não consegui terminar essa reportagem no prazo estipulado." Fonte:http://revistagalileu.globo.com/Revista/ Common/0,,ERT156864-17773,00.html |
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