MONTROS E GÊNIOS : AS 10 PESSOAS MAIS INFLUENTES DA HISTÓRIA


Jesus, Hitler, Marx e Einstein: mudar pode ser para pior | <i>Crédito: Arquivo AH
Jesus, Hitler, Marx e Einstein: mudar pode ser para pior | Crédito: Arquivo AH



















Monstros e gênios: as 10 pessoas mais influentes da História

Sem eles, para bem e mal, o mundo não seria como conhecemos

Fabio Marton e Wagner Barreira

Da hora em que você acorda até o momento de voltar para a cama, seu cotidiano se compõe de uma série de atitudes e comportamentos que parecem naturais. Pois não são. O que você é no seu dia a dia é fruto de uma série de aprendizados sociais que moldaram a evolução humana desde que nosso primeiro antepassado resolveu descer da segurança de uma árvore e se arriscar na savana africana. Muito do que somos foi moldado por outros seres humanos ao longo da História.

Para comemorar o aniversário de dez anos, AVENTURAS NA HISTÓRIA resolveu descobrir quem foram os personagens que mais contribuíram para o mundo contemporâneo. Para isso, os jornalistas Fábio Marton e Wagner Gutierrez Barreira pediram a especialistas brasileiros e do exterior que montassem uma lista com as pessoas que, em sua opinião, ajudaram a dar a cara do mundo ocidental nos dias de hoje. Em paralelo, as áreas digital e de atendimento da revista lançaram uma pesquisa em que os leitores elegeram seu próprio ranking. Em poucos dias, 1 310 pessoas contribuíram com sua preciosa opinião.

A lista, claro, será considerada incompleta por muita gente. E é mesmo difícil satisfazer a todos. Há algumas curiosidades. Quatro personalidades elencadas são judeus – e o homem que tentou acabar com os judeus no mundo, Adolf Hitler, também está na lista. E quatro entre as dez pessoas mais votadas são associadas ao comunismo, uma ideologia que entrou em colapso no final do século 20.

Certos resultados foram surpreendentes. Empatado com Charles Darwin, Sigmund Freud foi o segundo mais votado pelos especialistas, perdendo apenas para Karl Marx. Brasileiros (não há nenhum entre os vencedores) foram mencionados por estrangeiros, como o historiador britânico Kenneth Maxwell, que indicou José Bonifácio de Andrada e Silva, “a figura crítica na conquista da independência do Brasil”. O jornalista e escritor Laurentino Gomes citou o português dom João VI, “um herói às avessas, que transformou o pedacinho do mundo que hoje conhecemos como Brasil”. Jesus Cristo foi o favorito dos leitores, mas teve poucos votos entre os especialistas. As escolhas do leitor serviram de critério de desempate, confirmando Jesus e Albert Einstein entre os finalistas.

A lista, não custa ressaltar, não trata dos “dez heróis” ou das “dez pessoas que ajudaram a fazer deste um mundo melhor”. Genocidas como Josef Stalin, Mao Tsé-tung e Adolf Hitler tiveram contribuições ao planeta, mesmo sem ter intenção. Nosso mundo também é fruto do que se tenta evitar – e do esforço para que tragédias não se repitam.

10. ALBERT EINSTEIN
A física se divide em antes e depois de 1905. Entre março e setembro daquele ano, quatro artigos foram publicados no periódico científico Annalen der Physik, de Berlim. Um demonstrava a dualidade entre partícula e onda, provando que a física quântica descrevia fenômenos reais, não efeitos de laboratório – o que nem Max Planck, considerado o pai dessa ciência, acreditava. Outro mostrava que átomos também eram reais, e não abstrações úteis para explicar fenômenos misteriosos. O terceiro estabeleceu que a velocidade da luz é constante, independentemente da velocidade de quem a emite – o que acontece é que o tempo fica mais lento para quem se aproxima dessa velocidade. Essa é a teoria da relatividade especial, que batia de frente com a física newtoniana – até então, e por mais de 200 anos, chamada simplesmente de física.

O último artigo estabelecia a equivalência entre matéria e energia, uma das equações mais famosas da história da ciência, E=mc2, o que afetaria o mundo de forma bem direta, pois é simplesmente a origem da bomba atômica.

Einstein tinha apenas 26 anos e nunca havia dado aulas. Seu trabalho era avaliar patentes num escritório em Berna, na Suíça. Os quatro artigos do annus mirabilis foram produzidos fora do horário de expediente, longe de laboratórios, de colegas com quem discutir e até mesmo de uma biblioteca adequada. Para muitos historiadores da ciência, foi o mais brilhante trabalho amador da História. Rapidamente Einstein foi reconhecido por seus pares e ganhou o primeiro cargo de professor na Universidade de Berna, em 1908, mudando-se para sua Alemanha natal em 1914. Mas houve enorme resistência dos defensores da física clássica. Tanto que, em 1921, quando recebeu o Prêmio Nobel, foi por sua explicação do efeito fotoelétrico – a parte que prova a física quântica – e não pela relatividade, que ainda irritava muitos cientistas com essa história de ter que deixar para trás séculos de física newtoniana.

Einstein tornou-se rapidamente uma celebridade internacional, a encarnação viva do supergênio. A sua foto com o cabelo desgrenhado e a língua de fora tornou-se um ícone pop que rivaliza com a imagem de guerrilheiro de Che Guevara. Suas opiniões sobre qualquer tema apareciam nos jornais, como sua defesa da democracia, socialismo e pacifismo. Foi nessa condição que veio ao Brasil, em 1925, observar um cometa que justificaria sua teoria de gravitação.

Ele se tornou “um pacifista fundamental, hostil ao militarismo de sua era e um ícone do sentimento antiguerra que dura ainda hoje”, como afirma o historiador britânico Richard Overy. Mas esse pacifismo tomou partido em 1933, com a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha. Adotando os EUA como nova nação, Einstein se tornou partidário da guerra contra os nazistas. Em 1939, enviou uma carta ao presidente Franklin Roosevelt, alertando sobre a possibilidade do desenvolvimento de uma bomba atômica alemã. O gesto deu origem ao Projeto Manhattan e daí às bombas de Hiroshima e Nagasaki. Em 1954, ele diria ao amigo Linus Pauling que a carta a Roosevelt foi o maior erro de sua vida.

CURRÍCULO
Nome: Albert Einstein
Nascimento: 14 de março de 1879, Ulm, Alemanha
Morte: 18 de abril de 1955, Princeton, Estados Unidos
Ocupação: Físico e pacifista

O mundo sem ele
Em 1905 e depois, Einstein respondeu a desafios da física que não foram levantados por ele próprio. Talvez outros físicos tivessem, anos ou décadas depois, chegado às mesmas conclusões. Mas o fato de Einstein ser judeu evitou uma possível tragédia. Os nazistas batizaram a física quântica e a relatividade de “física judaica” – além de Einstein, o dinamarquês Niels Bohr, outro pioneiro do universo quântico, também era judeu. No lugar da física moderna, propuseram o ensino da “física alemã”, a mesma de Isaac Newton. Por isso, e pela fuga de cérebros causada pela perseguição, o programa nuclear nazista foi um fracasso – se alguém de olhos azuis fosse o autor de E=mc2, a história poderia ser diferente, e pior. As bombas atômicas também impediram a Terceira Guerra Mundial. Estados Unidos e União Soviética mantiveram uma paz tensa por medo da aniquilação mútua.

VOTOS: 2

9. JESUS CRISTO
De certa forma, nenhum outro personagem desta lista existiria sem ele. É quase impossível imaginar a história do mundo ocidental sem Jesus Cristo, com séculos de pensamento dedicados a conciliar a filosofia e hábitos pagãos com o monoteísmo importado da Judeia. “Seus seguidores continuam a ser os mais numerosos no mundo, o calendário é baseado nele e constitui o elo entre o judaísmo e o helenismo”, afirma o historiador e arqueólogo Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Ainda que a civilização cristã raramente tenha conseguido viver pelas palavras de Jesus de amar ao próximo, não julgar para não ser julgado e dar a outra face, a Igreja fundada em seu nome é absolutamente central na História do Ocidente. Tanto que o calendário se divide em antes e depois de Cristo.

Países como Alemanha, França e Espanha só existem porque reis bárbaros se converteram ao cristianismo e ganharam legitimidade após a queda do Império Romano. As Cruzadas introduziram o gosto por especiarias aos europeus, e isso é tanto a origem das Grandes Navegações, na Península Ibérica, quanto do capitalismo que bancou a Renascença, na Itália. Foi a Igreja que fundou as primeiras universidades, e dela saíram vários pensadores que retomaram a filosofia clássica, como Santo Agostinho, Roger Bacon e São Tomás de Aquino. A Reforma Protestante comandada pelo alemão Martinho Lutero liberou o homem para acumular riqueza sem culpa, uma das causas da Revolução Industrial. É um assunto controverso, mas vários pensadores, como o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, relacionaram o cristianismo aos ideais igualitários modernos da democracia e do socialismo.

O personagem mais importante para a história do Ocidente é aquele sobre o qual menos se sabe. Nem uma linha foi escrita sobre Jesus enquanto ele viveu. Autores não cristãos que trataram dele, Tácito e Flávio Josefo, só apareceram décadas após sua morte – e suspeita-se que monges medievais piratearam trechos sobre Jesus nos originais. Quase 2 mil anos depois, a maior fonte sobre sua vida continuam a ser os Evangelhos, que não são livros de História, mas de pregação religiosa.

A busca pelo Jesus histórico é limitada. Pesquisadores costumam comparar os Evangelhos com fatos conhecidos de seu tempo. Por exemplo, como não existe nenhum registro de um censo na Judeia na época de seu nascimento, a maioria dos historiadores acredita que ele nasceu mesmo em Nazaré, não em Belém (fato usado para identificá-lo à estirpe do rei Davi), e isso foi no máximo em 4 a.C., no fim do reino de Herodes, o Grande. Portanto, nosso calendário carrega um erro de cálculo.

Mas alguns fatos bíblicos são amplamente aceitos: Jesus existiu, foi batizado por João Batista e crucificado por Pôncio Pilatos, após um incidente no Templo de Jerusalém. E a religião que fundou já havia chegado à capital do Império Romano no reino de Nero (54-68), décadas depois de sua morte. O que quer que Jesus tenha dito ou feito em vida, o cristianismo não existiria apenas com ele. Paulo de Tarso, que nunca o encontrou em pessoa (teve uma visão), foi quem abriu a religião a todos.

A conversão do imperador Constantino, em 312, tornou o cristianismo a maior religião do mundo, com 2,2 bilhões de fiéis hoje.

CURRÍCULO
Nome: Jeshua ben Joseph
Nascimento: cerca de 7 a 4 a.C., Nazaré, Galileia
Morte: c. 30-36, Jerusalém
Ocupação: Aprendiz de carpinteiro, profeta, mártir, fundador do cristianismo

O mundo sem ele
Sem Jesus Cristo e o cristianismo, não haveria uma Igreja unificada e forte para preservar o pensamento e conhecimento da Antiguidade durante a Idade Média, nem para avalizar autoridade a imperadores como Carlos Magno (742-814), que começou a impor ordem à Europa. O mundo “ocidental” seria mais voltado ao Oriente, no que restou do Império Romano, da Grécia ao Norte da África. Sem cristãos não haveria o Islã. Maomé derivou um conteúdo considerável de sua doutrina do cristianismo. Jesus era um dos profetas maiores. Em uma Europa bárbara não haveria Renascença, Grandes Navegações ou Revolução Industrial. Talvez outra civilização fosse dominante, como os persas ou indianos. A 
tecnologia estaria alguns séculos atrasada.

VOTOS: 2

8. VLADMIR LENIN
Se Karl Marx deu as bases teóricas para a revolução socialista, até 1917 faltava alguém mostrar como fazê-la na prática. Havia muitos partidos que seguiam as ideias do filósofo alemão. Mas, em geral, eles concordavam com o que Marx havia dito sobre a evolução das sociedades: uma revolução proletária só poderia acontecer em um país com capitalismo avançado e um proletariado com consciência de classe, que faria a revolução sozinho. O advogado Vladimir Ilyich Uliánov deixou tudo isso de lado. Diferentemente de Marx, que não deu atenção aos países atrasados, Lenin era um grande crítico do imperialismo, que considerava a fase final do capitalismo. Ele acreditava que a revolução poderia ser feita, sim, em um país semifeudal como a Rússia, que recém havia abolido a servidão e tinha um proletariado minúsculo. Ele também imaginava que nenhuma revolução surgiria espontaneamente, mas que os trabalhadores precisariam de um partido de vanguarda, um bloco homogêneo e inflexível formado por revolucionários em tempo integral. Em 1897, Lenin foi preso e exilado para a Sibéria, por onde passa o Rio Lena – de onde vem o pseudônimo famoso. Em 1903, conseguiu formar seu grupo, a partir de um racha no Partido Operário Social-Democrático Russo. Os que apoiaram Lenin foram chamados de bolcheviques, a maioria. Os moderados, liderados por seu ex-colega Julius Martov, de mencheviques, minoria.

A primeira tentativa de revolução bolchevique foi em 1905, durante uma onda de greves, protestos e motins que tomou a Rússia após a derrota para o Japão na Guerra Russo-Japonesa. A revolução fracassou e Lenin foi para o exílio. Durante a Primeira Guerra, comprou briga com os socialistas do mundo inteiro, que apoiaram seus países no conflito. Lenin chamou a todos de traidores do proletariado, por defenderem uma guerra entre imperialistas. Mas foi o conflito que deu a ele sua grande oportunidade. Com as privações causadas pela guerra, em fevereiro de 1917 estourou outra revolução na Rússia. O czar abdicou e um governo provisório foi formado por uma coalizão entre liberais e socialistas. Conselhos (soviets, em russo) de trabalhadores e camponeses foram criados para defender a revolução. Disfarçado com uma peruca e de barba cortada, Lenin voltou à Rússia em agosto e conseguiu convencer os sovietes a se voltarem contra o governo provisório. Em 7 de novembro de 1917, a guarda vermelha de Lenin depôs o governo e deu início a uma guerra civil que duraria até 1923 e na qual padeceram, entre balas, fome e repressão brutal, 9 milhões de russos. Dessa forma traumática, nasceu a primeira nação marxista, oficializada em 1922. Em maio do mesmo ano, Lenin teve um derrame. Afastado do poder, passou seus últimos dias conspirando com Trotsky, sem sucesso, para evitar que Stalin fosse seu sucessor.

CURRÍCULO
Nome: Vladimir Ilyich Uliánov
Nascimento: 22 de abril de 1870, Simbirsk, Rússia
Morte: 21 de janeiro de 1924, Gorki, Rússia
Ocupação: Advogado, jornalista, escritor e revolucionário profissional

O mundo sem ele
É possível que os marxistas estivessem até hoje esperando as condições materiais estarem maduras o suficiente para a revolução socialista se Vladimir Lenin não tivesse tomado o trem rumo à estação Finlândia, em São Petersburgo. É difícil imaginar a história do século 20 sem a União Soviética ou qualquer outro país comunista. E a maneira de organização dos comunistas é obra de Lenin e de seu modelo de partido revolucionário, baseado no que chamava de “centralismo democrático”, capaz de “liderar as massas contra a burguesia”. O medo do comunismo fez com que quase todos os países democráticos, inclusive os Estados Unidos, aprovassem programas sociais e legislação trabalhista. Sem a insegurança gerada pelo risco do comunismo, a questão social ainda poderia continuar sendo tratada como caso de polícia. A causa anti-imperialista também teve em Lenin um de seus mais potentes defensores, e é possível que África e Ásia ainda tivessem colônias europeias sem sua inspiração nas lutas anticoloniais do século 20 – o socialismo foi o norte dos grupos envolvidos em processos de independência. A luta contra o comunismo tem seu lado sombrio em fatos como as ditaduras no Brasil e em outros países da América Latina, que colocaram os militares no poder por temor de governos esquerdistas. Para o professor Pedro Paulo Funari, “sem Lenin, talvez a Rússia ainda fosse uma monarquia atrasada até hoje”.

VOTOS: 3

7. ABRAHAM LINCOLN
Não é segredo que políticos fazem promessas que não pretendem cumprir. Ao menos uma vez na História, o mérito de um grande político esteve justamente em ignorar suas promessas. Em 1859, Abraham Lincoln falou a uma plateia em Cincinnati, Ohio: “Não tenho qualquer propósito de interferir diretamente ou indiretamente com a instituição da escravidão nos estados em que ela existe”. Repetiu o mesmo discurso em outras ocasiões. Em sua carreira, havia feito de tudo para tornar mais difícil a escravidão, instituição que frequentemente comparava a um “câncer”. Também dizia que a frase na Declaração de Independência dos Estados Unidos, “todos os homens são criados iguais”, se aplicava aos negros, ideia chocante para muitos na época. Essa postura ambígua fez com que seu adversário na eleição para o Senado de 1858, Stephen Douglas, o chamasse de “duas caras”. A réplica rendeu uma das boutades mais famosas de todos os tempos: “Se tivesse mesmo duas caras, por que o senhor acha que eu estaria usando esta?”

Contemporâneos notaram o quanto Lincoln era feio e malvestido, como sua voz era esganiçada. Mas o esquisitão era de fato a encarnação do sonho americano. Nascido numa família de agricultores analfabetos, tornou-se advogado estudando por conta própria sem ter concluído o ensino fundamental. Foi eleito deputado em 1846. Os debates durante a campanha ao Senado tornaram Lincoln conhecido no país inteiro. Em 6 de novembro de 1860, elegeu-se presidente, sem receber um único voto de delegados do sul do país. A Carolina do Sul declarou secessão em 24 de dezembro, antes mesmo de ele assumir a cadeira, em março do ano seguinte – quando mais seis outros estados escravistas diziam ser parte de outro país, os Estados Confederados da América.

Em 12 de abril, um ataque confederado a um forte na Carolina do Sul deu início à Guerra Civil Americana, primeiro conflito industrial da História, que causaria 750 mil mortes de combatentes – quase o dobro do que o país perderia na Segunda Guerra. Lincoln aproveitou as condições extremas para quebrar sua promessa e levar adiante a abolição, primeiro nos estados reconquistados, em 1863. E no resto do país em 1865. Sua terra natal, o Kentucky, era um dos estados que lutaram pela União e que ainda tinha escravos. A vitória das tropas da União tiveram reflexo até mesmo na História do Brasil. Um grupo de confederados buscou asilo no país, com as bênçãos do imperador dom Pedro II. Instalaram-se em São Paulo, onde tempos depois fundaram a cidade de Americana.

Um dos planos de Lincoln era instituir um amplo programa para integrar a população negra. Não viveu para isso. Em 14 de abril de 1865, cinco dias após a rendição dos confederados, o fanático pró-escravidão John Wilkes Booth disparou contra ele no Teatro Ford, em Washington. Lincoln morreu no dia seguinte, como o maior presidente da História dos Estados Unidos. Segundo Francisco Alambert, da USP, “o exemplo perfeito do `bom homem norte-americano¿; e do `bom homem norte-americano¿ saiu muito do melhor e muito do pior do mundo moderno”. Exemplo que abriu caminho para a luta dos negros, de Martin Luther King a Nelson Mandela.

CURRÍCULO
Nome: Abraham Lincoln
Nascimento: 12 de fevereiro de 1809, Hardkin County, Estados Unidos
Morte: 15 de abril de 1865, Washington, Estados Unidos
Ocupação: Partidor de tábuas, advogado, congressista e presidente dos EUA

O mundo sem ele
O fato de os Estados Unidos se dizerem a terra da liberdade enquanto tinham escravos era uma hipocrisia que não passava despercebida por outros países. O fim da escravidão e a guerra civil marcaram a refundação do país, que deu início a uma segunda luta, a dos direitos dos negros, com as últimas leis racistas nos Estados do sul abolidas em 1965, após uma longa campanha pelos direitos civis. A luta dos negros americanos inspirou e deu ideias a movimentos similares no mundo todo, inclusive no Brasil. Sem Lincoln, é possível que a escravidão continuasse até o século 20 tanto lá quanto aqui – e a situação dos negros certamente seria pior. Os Estados Unidos provavelmente seriam um país mais atrasado, agrícola e isolado, não a potência industrial que interveio no mundo em momentos críticos, como na Segunda Guerra. Isso se continuasse unido depois da Guerra Civil. “Sem Lincoln, talvez não houvesse um país unificado”, diz Pedro Paulo Funari.

VOTOS: 3

6. MAO TSÉ-TUNG
A China moderna, único país candidato a ameaçar a hegemonia econômica norte-americana, nasceu das ações de Mao Tsé-tung. Ele tirou o país do “século de humilhação”, que vinha desde a derrota para o Reino Unido na Primeira Guerra do Ópio, em 1842. Durante esse período, a China – que por boa parte da história foi a sociedade mais organizada e tecnologicamente avançada do planeta – acabou dominada por potências estrangeiras e ficou sem Estado, fragmentada entre senhores da guerra. Ao se divorciar da União Soviética, nos anos 60, Mao partiu o comunismo em dois. Mas isso deu um novo fôlego a muitos comunistas pelo mundo, pois a União Soviética era associada aos crimes de Stalin e a uma burocracia envelhecida, corrupta e sem fervor revolucionário. O engajamento da juventude contra as gerações anteriores foi inspiração até para as passeatas de Maio de 1968 na França. A guerrilha de esquerda, a estratégia maoísta na Guerra Civil Chinesa, fez história na América Latina. Ao aceitar a visita do presidente norte-americano Richard Nixon, em 1972, o ápice da “diplomacia do ping-pong”, Mao finalmente abriu o país ao exterior e deu o primeiro passo para transformá-lo no que é hoje.

Mao, “para o bem ou para o mal, unificou a nação ancestral da China, pavimentando o caminho para a eventual emergência do país de séculos de isolamento”, como afirma o jornalista e escritor norte-americano Jon Lee Anderson. O “para o mal” não pode ser subestimado. Entre 30 milhões e 70 milhões de mortes são atribuídas à repressão e às experiências sociais de Mao, o que, em números absolutos, configura a pior matança da história.

Filho de fazendeiro, Mao foi um dos membros fundadores do Partido Comunista Chinês, em 1921. O partido logo se aliou aos nacionalistas, o Kuomintang, em campanha para reunificar o país. Em 1927, os nacionalistas traíram a aliança e massacraram 400 comunistas em Xangai, iniciando uma guerra civil que terminou com a fuga do Kuomintang para a ilha de Taiwan, em 1949, e a ascensão dos comunistas ao poder, onde, diga-se, se mantêm até hoje.Em 1958, Mao deu início ao “Grande Salto para a Frente”, uma tentativa de desenvolver a China sem auxílio soviético. A fome, causada pela coletivização e o desvio de mão de obra para a indústria, estima-se, matou entre 20 milhões e 40 milhões de pessoas no país.

Com sua posição enfraquecida no Partido Comunista, em 1966, Mao decidiu voltar a população contra os dirigentes. A sua chamada Revolução Cultural instigou os jovens contra a burocracia do partido e tudo o mais que parecesse velho, tradicional ou ocidental. Com estudantes secundaristas atacando templos, livros e pessoas, principalmente professores e intelectuais, a China mergulhou no caos. A morte do Grande Timoneiro, em 1976, levou a um período de luta interna, que terminou em 1978, com a vitória do reformista Deng Xiaoping, que abriu o país ao capitalismo. Deng, para quem “enriquecer é glorioso”, disse que Mao estava “70% certo, 30% errado”. A China hoje é um híbrido de comando político comunista e economia capitalista.

CURRÍCULO
Nome: Mao Tsé-tung
Nascimento: 26 de dezembro de 1893, Shaoshan, China
Morte: 9 de setembro de 1976, Pequim, China
Ocupação: Militar, revolucionário, escritor, presidente do Partido Comunista da China

O mundo sem ele
Se a China fosse liberada pelos nacionalistas, talvez tivesse um destino parecido ao de Taiwan, um dos Tigres Asiáticos – países da região que se desenvolveram rapidamente no final do século passado. Mas dadas suas proporções e desafios colossais – antes de Mao Tsé-tung, o país era uma caricatura de nação que mal conseguia alimentar sua população – não há garantias. Outra questão é se a China fundada no nacionalismo militarista de Chiang Kai-shek, cheia de ressentimentos contra a União Soviética, o Japão e o Ocidente, não seria uma ameaça à ordem mundial. A Coreia do Norte certamente não existiria, já a intervenção chinesa na Guerra da Coreia garantiu a continuidade do regime comunista. “Sem Mao não haveria a China que o capitalismo resolveu adorar”, diz Francisco Alambert, da USP.

VOTOS: 4

5. JOSEF STALIN
A carta-testamento de Lenin, escrita no início de 1923, tem a seguinte passagem: “O camarada Stalin, tendo se tornado secretário-geral, tem autoridade ilimitada concentrada em suas mãos, e não tenho certeza de que sempre irá utilizá-la com suficiente prudência”. Se a carta não tivesse aparecido só depois da morte de Lenin e prontamente suprimida, as vidas de 4 milhões a 60 milhões de pessoas, dependendo de qual historiador consultado, talvez tivessem sido poupadas. É possível gastar milhares de páginas tratando das atrocidades de Stalin. Mas, em uma frase, ele mudou a história.

Quando se juntou aos bolcheviques em 1903, Iosif Djugashvili era conhecido por ser um revolucionário de ação. O assalto a banco que comandou em Tiflis, na Geórgia, em 1907, por exemplo, causou 40 mortes – Stalin (“feito de ferro”) era o codinome que usava em ações assim. A partir de 1917, começou a ganhar posições dentro do partido comunista, até tornar-se secretário-geral do PC da União Soviética, em 1922. Enquanto Lenin acreditava que a URSS só sobreviveria se conseguisse exportar a revolução, Stalin lançou a doutrina do “socialismo em um só país”. Dizia que era possível a União Soviética sobreviver sozinha. E acabaria por provar isso – mas, antes, precisou transformar a Rússia de um país agrícola retrógrado em uma potência industrial.

Stalin era sincero em sua crença no socialismo. Para acalmar os ânimos da população, Lenin havia admitido um pouco de capitalismo na União Soviética ao formular a Nova Política Econômica, de 1921, que permitia pequenos negócios e propriedades rurais. Após eliminar qualquer oposição a seu poder absoluto, em 1928 Stalin lançou seu primeiro Plano Quinquenal, estatizou a agricultura e deu início a uma gigantesca campanha de industrialização, tentando superar o que ele chamava de “50 a 100 anos de atraso” da Rússia. A coletivização da agricultura causou revoltas, repressão brutal aos pequenos proprietários e uma fome que matou milhões de soviéticos, especialmente na Ucrânia. Mas sua campanha industrial fez a economia russa crescer incríveis 2 425% entre 1928 e 1937, uma década que no resto do mundo foi abalada pelo crash da Bolsa de Valores de Nova York.

Em 1939, União Soviética e Alemanha assinaram o Pacto Molotov-Ribbentrop, um acordo secreto de não agressão. Em junho de 1941, Hitler rasgou o tratado e invadiu a União Soviética, pegando Stalin de surpresa. No fim do ano, as forças nazistas estavam a apenas 32 km de Moscou. Stalin permaneceu no Kremlin e liderou pessoalmente a resistência. Foi salvo por um gigantesco deslocamento de tropas que socorreram a cidade vindas dos confins da Sibéria. A resistência em Moscou e em outras cidades soviéticas, como Stalingrado, inverteria a situação nos dois anos seguintes. Em 1945, as tropas soviéticas marchavam sobre Berlim. O avanço militar das forças de Stalin foi seguido pela divisão política da Europa – todo o leste, com exceção da Grécia, ficou sob a órbita soviética até o fim da URSS, em 1991. Na conta de Stalin pode-se pendurar o atraso colossal da biologia e das artes durante seu longo governo, destruídas por seus zelosos comissários. Mas ao virar o rumo da guerra quase sozinho ele salvou o mundo do nazismo.

CURRÍCULO
Nome: Iosif Djugashvili
Nascimento: 18 de dezembro de 1878, Gori, Geórgia
Morte: 5 de março de 1953, Moscou, Rússia
Ocupação: Revolucionário profissional, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética

O mundo sem ele
A União Soviética seria com certeza um lugar mais agradável de viver. E isso duraria até ser conquistada pela Alemanha nazista, que considerava os eslavos um povo inferior, naturalmente vocacionados à escravidão. O algoz também poderia ter sido o Japão imperial, que tinha planos para atacar o país, mas desistiu quando o ensaio da invasão, uma batalha na Mongólia, em 1939, falhou miseravelmente diante dos tanques e aviões russos, fruto da indústria pesada que acabara de ser criada por Stalin. Ou ainda pelos Estados Unidos depois da Segunda Guerra, se o ditador não tivesse conseguido a bomba atômica com a ajuda de seus espiões. A força da União Soviética na Segunda Guerra não pode ser subestimada. Sem Stalin, o nazismo teria dominado tudo, da Sibéria até a França, e daí, quem sabe, o resto do mundo. Como afirma Pedro Paulo Funari, “a URSS não teria sobrevivido por tantas décadas nem teria havido Guerra Fria”.

VOTOS: 4

6. ADOLF HITLER
É difícil falar nele sem recorrer a expressões moralistas. O professor Francisco Alambert, da USP, o define como “a mais perfeita tradução do horror moderno”. Com Mao e Stalin, Hitler é um dos personagens cujo perfil torna obrigatório incluir uma contagem de cadáveres – 11 milhões, entre judeus, poloneses, comunistas, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e opositores, em execuções, massacres e campos de extermínio. Isso sem contar os 50 milhões da Segunda Guerra, que podem ser atribuídos a ele.

A diferença é que China e União Soviética nunca tiveram algo parecido aos campos de extermínio nazistas. Hitler foi inédito em seu ódio. Em meio a uma guerra que estava perdendo, desviou preciosos recursos para uma imensa operação industrial com o objetivo de eliminar pessoas de forma rápida e eficiente. O nazismo ainda recriou a escravidão em pleno século 20, com 20% da mão de obra alemã provindo de trabalho forçado.

Em 1919, recebeu do exército a missão de investigar o Partido dos Trabalhadores Alemães, fundado por Anton Drexler. Ao participar de uma reunião, surpreendeu os membros do partido com seu lendário talento para oratória. Saiu do exército e juntou-se ao grupo, que mudou o nome para Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (ou Nazi) em 1921. Dois anos depois, Hitler e outros líderes acabaram presos após o fracasso de uma tentativa de golpe de Estado em Munique. Na cadeia escreveu Mein Kampf, autobiografia e programa ideológico que impulsionou sua meteórica carreira política. Em 30 de janeiro de 1933, tornou-se chanceler (primeiro-ministro) da Alemanha.

O führer rearmou o país, recuperou a economia e fez inúmeras obras públicas. Foi eleito “homem do ano” de 1938 pela revista norte-americana Time. Em setembro do ano seguinte, ordenou a invasão da Polônia, sabendo que isso significava ter França e o Reino Unido como inimigos. A máquina de guerra nazista começou a patinar entre 1942 e 1943, quando foi derrotada no Egito e Stalingrado, na URSS. A partir daí, a guerra se tornou defensiva e cada vez mais desesperada – como o avanço das tropas soviéticas dentro da Alemanha, até a derrota em 1945. Hitler uniu comunistas, liberais e conservadores contra seu projeto nacionalista e seu fracasso tornou patéticas práticas que eram aceitas nos anos 30, como a eugenia e o racismo.

“Hitler não apenas ajudou a criar o horror que foram a Segunda Guerra e o Holocausto, nos quais dezenas de milhões morreram. Ele alterou a paisagem política global para sempre”, afirma o jornalista e autor norte-americano Jon Lee Anderson. A divisão do mundo na Guerra Fria e a chamada Cortina de Ferro surgiram dos acordos feitos entre os soviéticos e os aliados ocidentais Mas o horror também contribuiu para a criação da União Europeia e para o maior período de paz da história da Europa, que a propósito dura até hoje. Por fim, como suprema ironia histórica, o homem que pretendia acabar com todos os judeus contribuiu para que o Estado de Israel nascesse mais depressa como solução para a crise humanitária pós-Segunda Guerra. Foi sua maior humilhação.

CURRÍCULO
Nome: Adolf Hitler
Nascimento: 20 de abril de 1889, Braunau am Inn, Império Austro-Húngaro
Morte: 30 de abril de 1945, Berlim, Alemanha
Ocupação: Pintor, cabo do exército, político, ditador

O mundo sem ele
É provável que a maior contribuição de Adolf Hitler para a História tenha sido desacreditar suas próprias ideias. O nacionalismo se tornou anátema na Europa e hoje qualquer discurso nacionalista embute um gene nazista. Racismo e eugenia são práticas totalmente desacreditadas hoje. A cooperação entre os países aumentou de modo a evitar novas guerras, e seu maior resultado foi a criação da Organização das Nações Unidas. Por causa do esforço de guerra, os alemães contribuíram para a conquista do espaço. Os foguetes V2, desenvolvidos pelo alemão Werner von Braun, foram o primeiro passo para os programas espaciais dos EUA e da União Soviética. Há até uma estranha contribuição para a saúde. Os médicos nazistas foram os primeiros a pesquisar a relação entre o cigarro e o câncer. Para o professor da USP Francisco Alambert, se Hitler não tivesse existido, “o século 20 seria menos bárbaro e o fascismo cotidiano perderia grande parte de seu espetáculo”.

VOTOS: 5

3. SIGMUND FREUD
À primeira vista, o pai da psicanálise é um personagem destoante nesta lista. Não foram feitas revoluções em seu nome e sua contribuição científica é controversa. Entre seus muitos críticos, Karl Popper, possivelmente o maior filósofo da ciência do século 20, simplesmente excluiu a psicanálise do domínio científico. O complexo de Édipo foi rejeitado por antropólogos, que não confirmaram algo parecido em outras culturas pelo mundo. E, para Freud, o tal complexo era a razão de ser de sua teoria. “No complexo de Édipo reúnem-se os começos da religião, moralidade, sociedade e arte, em plena concordância com a verificação psicanalítica de que esse complexo forma o núcleo de todas as neuroses”, escreveu ele em Totem e Tabu.

Mas entre todos os mencionados, Freud é provavelmente o que tem a maior influência no cotidiano das pessoas hoje em dia. Para o professor da Unicamp Pedro Paulo Funari, ele “introduziu a vida interior ou psíquica no centro da maneira como as pessoas entendem e se entendem no mundo”. A ideia do que é ser humano foi refundada por Freud. Antes, havia duas concepções principais: o homem cartesiano, uma mente perfeitamente livre e racional, independente do corpo e suas vicissitudes. Ou o Homo economicus, uma máquina de calcular que sempre agia para maximizar resultados e ganhar dinheiro, uma tradição que vai de Adam Smith até Karl Marx. Hoje, cientistas e psicólogos entendem o ser humano como um animal dotado de razão, mas uma razão imperfeita, altamente influenciada por seus desejos e sentimentos, às vezes inconscientes, às vezes inconfessáveis, atormentado pela contradição entre esses impulsos e a vida em sociedade. Ideia surgida com a psicanálise que ciências mais duras, como a neuropsiquiatria e a psicologia evolutiva, só têm reforçado. Alguns conceitos freudianos, como o inconsciente e a razão deturpada pelos desejos, são amplamente aceitos por neurocientistas. Existe, assim, uma revolução freudiana, no “estudo da mente humana, demonstrando que traumas, sonhos, desejos e fantasias têm impacto decisivo no comportamento das pessoas”, de acordo com o jornalista e escritor Laurentino Gomes.

Formado em Medicina em 1881, Freud começou a trabalhar como psiquiatra científico, estudando a anatomia do cérebro. Em 1885, na França, teve sua primeira revelação: muitas condições físicas nos pacientes eram causadas por transtornos da mente. De volta à Áustria, tomou contato com Josef Breuer, que descreveu como uma paciente havia melhorado apenas por meio de conversa, caso que interessou vivamente a Freud. Pela mesma época, recomendou ao colega psiquiatra Ernst von Fleischl-Marxow o “antidepressivo” da época, a cocaína. Marxow morreu de overdose em 1891. Esses eventos o levaram a abandonar as drogas e a hipnose para adotar a cura pela conversa, que batizou de psicanálise em 1896. Em 1899, lançou o livro fundador da teoria, A Interpretação dos Sonhos.

Freud refinaria e ampliaria suas concepções até o fim da carreira, ganhando discípulos e tornando a psicanálise uma das terapias mais populares da psicologia do século 20. A nova ideia do ser humano teve imensas ramificações nas artes, cultura e filosofia. Surrealismo, dadaísmo, pós-modernismo – tudo isso nasceu das ideias de Freud.

CURRÍCULO
Nome: Sigismund Schlomo Freud
Nascimento: 6 de maio de 1856, Freiberg in Mähren, Império Austro-Húngaro (hoje P¿ríbor, República Checa)
Morte: 23 de setembro de 1939, Londres, Reino Unido
Ocupação: Psiquiatra e fundador da psicanálise

O mundo sem ele
Paradoxalmente para esse conservador convicto, que considerava o orgasmo pelo clitóris ou qualquer forma de sexo não reprodutivo como falhas no desenvolvimento mental, o mundo seria bem mais “careta” sem ele. Suas teorias influenciaram a arte e o pensamento de vanguarda. A explicação naturalista para o sexo, incluindo a sexualidade na infância, abriu caminho para a revolução sexual, iniciada justamente pelos artistas e pensadores de vanguarda. A filosofia pós-moderna, a rejeição do mundo racional e científico contemporâneo, começa pela dúvida freudiana de uma razão pura. Enfim, sem o austríaco, não haveria os anos 60. O mundo não teria subculturas, mas uma divisão baseada puramente em ideias, entre respeitáveis senhores de paletó e gravata.

VOTOS: 5

2. CHARLES DARWIN
Em 1859, um livro colocou o ser humano em seu devido lugar. Antes dele, a humanidade tomava a si própria como o ápice da criação, num mundo em que todas as outras formas de vida haviam sido colocadas na Terra por Deus apenas para servi-la. A Origem das Espécies demoliu essa visão milenar. “Sua influência no desenvolvimento de áreas críticas da ciência foi profundo. Ao mesmo tempo, ajudou a construir uma nova visão científica do mundo, substituindo a visão cristã prevalente”, afirma o historiador e autor britânico Richard Overy.

Darwin afirmou que a espécie humana evoluiu, como todas as outras, por meio de um processo que não tem direção definida, com todos os animais partilhando um ancestral comum. É a sobrevivência do mais apto – não a do mais forte – às circunstâncias que guia a evolução. A espécie humana não foi feita à imagem e semelhança de Deus, mas surgiu de um macaco na savana africana. Esse foi um impacto brutal na autoimagem da humanidade, que até hoje muitos ainda relutam em aceitar. Ainda mais em uma sociedade conservadora como a Grã-Bretanha do século 19.

Pelos diários de Darwin, sabe-se que ele já havia chegado a essas conclusões 20 anos antes. Mas temia publicá-las, porque podia prever as consequências na cultura da Inglaterra vitoriana. Aos 50 anos, tinha muito a perder, numa admirável carreira que havia rendido a medalha da Royal Society, a academia britânica de ciências, em 1853. ” Não sei o que pensar: realmente detesto a ideia de escrever por prioridade, mesmo assim ficaria irritado se qualquer um publicasse as minhas teorias antes de mim”, escreveu alguns anos antes da publicação. Seu trabalho começou com o retorno da viagem do navio Beagle, em 1836, trazendo fósseis e espécimes do mundo todo, inclusive do Brasil.

A ideia de evolução em si não era nova. Em 1809, ano de nascimento de Darwin, o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck propôs a evolução por meio de características adquiridas por esforço – um princípio errado, que marginalizou a ideia, já então tida por heresia. Darwin só decidiu tirar da gaveta A Origem das Espécies porque um pupilo seu, Alfred Russel Wallace, apresentou a ele uma teoria quase idêntica, em 1858. Wallace poderia também ter sido o pai da seleção natural, mas quem apresentou a tese fez toda a diferença. As credenciais de Darwin estavam acima de qualquer suspeita. Wallace era um jovem desconhecido, com fama de radical.

As décadas de preparação fizeram de A Origem das Espécies um trabalho impecável, prova e explicação definitiva para a evolução. Para surpresa de Darwin, o livro tornou-se um best-seller, transformando o cientista recluso em celebridade internacional, discutido, caluniado e caricaturado nos jornais. Sem gosto pela vida pública, coube a outros cientistas, como seu amigo Thomas Huxley, defendê-lo. Quando morreu, em 1882, era um tesouro do Império Britânico. O naturalista agnóstico ganhou a honra de ser enterrado na Abadia de Westminster, junto a outros grandes cientistas da nação, como Isaac Newton. O darwinismo tornou-se a doutrina capaz de explicar e dar novos rumos à biologia, fazendo a ciência – sem trocadilho – evoluir ao longo do século 20. Suas teses são contestadas apenas por um grupo: o dos cristãos fundamentalistas, os chamados criacionistas.

CURRÍCULO
Nome: Charles Robert Darwin
Nascimento: 12 de fevereiro de 1809, Shrewsbury, Inglaterra
Morte: 19 de abril de 1882, Londres, Inglaterra
Ocupação: Geólogo e biólogo

O mundo sem ele
Inúmeros avanços não teriam acontecido. Viveríamos num mundo de máquinas impressionantes, mas de ciência biológica primitiva, onde a maioria das crianças morreria na infância como no século 19. Mesmo que a teoria dos germes fosse desenvolvida, é preciso da seleção natural para entender a resistência aos antibióticos. Ecologia seria apenas romantismo, preservação de paisagens. Por mais que igrejas tradicionais, como a Católica, tenham buscado conciliar o darwinismo às suas crenças, ao explicar a origem da humanidade sem a necessidade de Deus, a seleção natural fez com que elas perdessem muito de sua influência. Darwin também ajudou a impulsionar a genética, e a descoberta do DNA, no século 20, tem a ver com seus escritos. “Sem Darwin, o mundo demoraria a explicar o mundo sem recorrer às forças sobrenaturais”, afirma Pedro Paulo Funari, da Unicamp.

VOTOS: 5

1. KARL MARX


Marx partiu de uma filosofia para filósofos – o idealismo de Hegel – para uma filosofia de ação. “Os filósofos apenas tentaram interpretar o mundo de diversas formas; o ponto é mudá-lo”, escreveu em 1845. E ele mudou mesmo: o século 20 foi marcado pela divisão mundial entre marxistas e defensores do capitalismo de várias vertentes. Como sistema político, a democracia ocidental venceu em 1991 com a queda da União Soviética, um pesadelo totalitário em que ninguém poderia vislumbrar o comunismo prometido por Marx, uma sociedade sem classes, Estado ou opressão. Mas muitos pensadores contemporâneos, como os filósofos Slavoj Zizek e Antonio Negri, e o falecido historiador Eric Hobsbawn, afirmam que ainda é cedo para decretar a morte do marxismo como ideologia. Marx afirmou no século 19 que crises cíclicas eram inerentes ao capitalismo – e o crash de 2008, último de uma série, mostra que essa foi uma previsão certeira. “Sua crença de que a justiça social deveria ser uma razão fundamental de todas as comunidades modernas nem sempre foi bem-sucedida, menos ainda em todas as ditaduras comunistas, mas sua influência foi mundial e contínua”, diz o historiador britânico Richard Overy.

No que ele mesmo chamava de praxis, os conceitos de Marx mudaram a geopolítica do planeta. Mas ele também tem uma enorme contribuição acadêmica, o que garante a permanência de seu pensamento como norte intelectual ainda hoje nas ciências humanas. Marx ajudou a criar caminhos intelectuais, como a lógica dialética e o materialismo histórico, que dominariam várias áreas do conhecimento no século 20. Ele é um dos fundadores das ciências sociais, o saber que transformou a mera especulação filosófica em estudo metódico, baseado em conceitos científicos. Vale lembrar que sua teoria é um convite à ação. “Marx criou as bases da mais profunda crítica do capitalismo e lançou ideias para sua superação histórica”, afirma o historiador Francisco Alambert, da USP.

Em sua vida pessoal, Marx foi um grande ativista das causas que defendia. Em 1864, fundou e dirigiu a Primeira Internacional, organização mundial de comunistas, anarquistas e sindicalistas. Escreveu e editou jornais revolucionários e tinha colunas em diários convencionais, como o New York Daily Tribune, no qual defendeu o fim da escravidão nos EUA. Tal como Albert Einstein, foi nas horas vagas que escreveu sua obra-prima, O Capital, publicado em 1867. Também misturou a vida familiar com a política – sua filha Laura casou-se com o socialista francês Paul Lafargue, famoso por comandar jornadas em defesa de 8 horas diárias de trabalho em Paris.

Perseguido pelas autoridades europeias, vivendo quase sempre à beira da insolvência (e costumeiramente socorrido financeiramente pelo amigo e parceiro intelectual Frederick Engels), teve sete filhos com a baronesa Jenny von West-phallen. Apenas três sobreviveram até a idade adulta. Quando morreu, Karl Marx era ao mesmo tempo uma celebridade internacional e um apátrida. De certa forma, ele foi o primeiro mártir do marxismo. Sua tumba, em Londres, hoje é ponto turístico da cidade.

CURRÍCULO
Nome: Karl Heinrich Marx
Nascimento: Trier, Prússia, 5 de maio de 1818
Morte: 14 de março de 1883, Londres, Reino Unido
Ocupação: Filósofo, economista e jornalista

O mundo sem ele
O socialismo preconizado por Marx, adotado por sindicatos e partidos de esquerda, foi responsável por diversas conquistas dos trabalhadores, como a jornada de 8 horas, as férias anuais e as leis contra o trabalho infantil. A crítica sistemática da sociedade capitalista iniciada por Marx serviu de base intelectual para movimentos que não têm relação direta com a causa do proletariado, como o feminismo e a luta por direitos civis de negros e gays. Sem Marx, não haveria as tragédias do comunismo soviético e chinês, mas também viveríamos num mundo mais conservador, onde o nacionalismo, na ausência das grandes ideologias, seria um fator importante a dividir os países. “Sem Marx, o materialismo e a luta de classes demorariam a surgir”, afirma Pedro Paulo Funari, da Unicamp. “Não entenderíamos a força e a violência do capital”, diz Francisco Alambert, da USP. Possivelmente não existiriam instituições como a Comunidade Europeia sem a Guerra Fria para unir os europeus ocidentais.

VOTOS: 6

VOTARAM
  • Pedro Paulo Funari
  • Leandro Narloch
  • Richard Overy
  • Laurentino Gomes
  • João Pereira Coutinho 
  •  Jon Lee Anderson
  • Kenneth Maxwell
  • Marco Antônio Villa
  • Lincoln Ferreira Secco
  • Francisco Cabral Alambert Junior

Fonte:http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/personagem/monstros-e-genios-as-10-pessoas-mais-influentes-da-historia.phtml#.WGvh7_krKUk

Jesus, Hitler, Marx e Einstein: mudar pode ser para pior | <i>Crédito: Arquivo AH

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